Eu canto para ti
Como se ouvisses maio a florir
No fundo da memória esvanecida
(continua)Eu canto para ti
Como se ouvisses maio a florir
No fundo da memória esvanecida
(continua)Lá fomos tomando juízo
E aprendendo a distinguir
No meio da confusão
Que em vez de diminuir
Se multiplica
Por alguma causa
Há sempre uma causa
Ainda que desconhecida
Mas nem sempre temos razão
E é necessário ter razão
Conhecer a razão
Qualquer que seja a causa
Lembrar esquecer
Acordar adormecer
Sofrer a sonhar
Sonhar a sofrer
A amar sempre
Como sempre
Odiar
Como nunca
Tirar lições da vida
Do que podemos ou não
Fazer
Do que é ou não permitido
Quais delas as mais difíceis
Nem tudo é para dizer
Nem tudo é para calar
Nem tudo é para ver
E muito do que se vê
Não é flor que se cheire
Ou deva tocar
E muito do que se quer
Não é para possuir
Ou dispensar
Nem tudo é para ouvir
E muito do que se ouve
É melhor ignorar
Mas sempre podemos sentir
E afinal pensar
Nas lições e nas interações
Da vida
Do ter do ser e do saber
Fazer
O bem e o mal
Além do virtual.
Seria pela razão de não saber o que é a consciência?
Carlos Ricardo Soares
Na sequência do texto anterior é, de qualquer modo, importante prestar atenção no seguinte.
Se tenho dimensões que só ao meu conhecimento serão acessíveis (serão, se ainda não são), o conhecimento propriamente dito dessa esfera subjetiva não é algo que não dependa do que eu tenha adquirido e aprendido, ou seja, a forma como me vejo e me analiso e me interpreto e me julgo e me avalio, me penso, me sinto e me projeto, é algo inerente à minha relação umbilical com a cultura e com as linguagens que fazem parte dos meus repertórios .
Mesmo que eu diga “sou quem só eu sei”, “sou quem poderei ser e não aquilo que sou”, todas as representações que isto envolve ou tem subjacentes, não são, digamos, minhas, nem de ninguém em particular.
Os processos de consciência e de escolha, mesmo do que pensamos, com mais ou menos confiança na sua consistência e implicações, operam segundo o dever-ser, em função do que deve-ser. E os processos de auto-conhecimento não escapam à regra.
Ora, esta égide do dever-ser, nos processos de pensamento racional, de juízos, de escolha, de ação, seja científica, ética, moral, estética, religiosa, ou outra, é uma função mental originada e situada na cultura e na sociedade.
No mais recôndito e no mais íntimo do indivíduo, a subjetividade consiste mais na inacessibilidade, na imprescrutabilidade e na privacidade dos pensamentos e dos juízos, do que na sua incomunicabilidade. Esta incomunicabilidade está mais associada a uma incompetência, seja do emissor seja do recetor, devida, por exemplo, a uma linguagem deficiente, limitada, ou deficientemente utilizada.
Todavia, se falarmos de estados mentais como, por exemplo, a experiência musical, a experiência do silêncio, do devaneio, da fantasia, do sonho, dos sentimentos, das emoções e das sensações das qualidades, pelo menos enquanto não derem origem, ou não as transformarmos em pensamentos e juízos, operam fisicamente e não são expressáveis, ou comunicáveis. Em grande parte das situações, como estas, ainda assim, poderemos considerar a ocorrência de fenómenos de empatia, de simpatia, de comoção e compaixão que não deixam de ser, a seu modo, modos de expressão, de comunicação e de compreensão que, aliás, têm a primazia e não dependem de outras linguagens para se manifestarem.
Carlos Ricardo Soares