sexta-feira, 25 de novembro de 2022
sexta-feira, 18 de novembro de 2022
Tempo de viver
Nada há que possa levar
Nenhuma verdade no alforge
Nenhuma fantasia disfarçada
Nenhuma amargura predileta
Nenhuma vontade frustrada
Nem ódio de estimação
Ou alegria
Nada
E não é por prémio
Sorte de paixão
Por castigo ou dever
Que nada levarei
Mas também nada
Nem mulher
Que tanto adorei
Me levará
Porque não irei
Estarei ausente
Da fortaleza
Da cidade morta
Sem me render
Isso eu sei
Baixo os braços
Ao vento do planalto
Que sopra sem perceber
Os passos em sobressalto
Dos escaravelhos
No momento de ceder
Como quando velhos
Sem alternativa acaba
O tempo de viver.
sábado, 12 de novembro de 2022
A mulher dos meus sonhos
A mulher
É a mulher dos meus sonhos
Indefinida e holista
Como nenhuma outra
Existe em muitas
Inúmeras imensas
E como é bom saber isso
Apesar de doloroso
Não há como fingir
Não há como ignorar
As pérolas
O caleidoscópio dos meus olhos
A mulher dos meus sonhos
Em cada uma que passa
Diante da lente natural
Dessa realidade virtual
Como num desfile
De memórias falsas
Mas mais relevantes
Do que as verdadeiras
Não é universal
Arte de bem marear
Tudo muda quando me olhas
Pelas estrelas que aprendi
A tomar como bússola
Na solidão do mar
Sem ti
Tudo se transfigura
E me passa pela cabeça
Poder estar de volta
A um lugar vazio
Aonde vejo chegar
Uma réstia de pássaro
Caído
Por ter parado
No ar
E me entregasse à justiça
De te desejar
Sem nada mais em mente
Ao ver-te à minha frente
E acreditar.
segunda-feira, 7 de novembro de 2022
Ficção e realidade
Ouvi dizer que a guerra é para ti
Como se fosse uma telenovela
Uma ficção muito pobre e mal feita
Que já verteste mais lágrimas a ver filmes
Que já não distingues a ficção da realidade
Que até já chegaste a ver mais realidade na ficção
Do que na realidade em direto
Que não estás preparado para entender
Senão o que alguém te explica
De um modo que não te implica.
quinta-feira, 3 de novembro de 2022
Com ódio por amor ou com amor por ódio
Que dizes
Em que língua
Com que léxico
Sabe-lo tu?
Nem eu
Será a língua dos ventos uivantes
Ou o léxico dos cavaleiros inebriados?
Parece mais lume do que água
A despenhar-se sem asas
Sem o azul das aves
Que se elevam como cinzas
Para o cume da mágoa
Que é ser assim
Ouço-te onde estiveres
Até onde estiver o significado
Do teu riso
De uma desordem que acontece
E não almejas
Nem tudo se constrói com palavras
Nem com o que desejas
Mas a destruição é uma constante
Quando olhamos para o que fizemos
Com amor ou ódio
E vemos que não resulta à letra
Que o amor ou ódio não estão lá
Vemos manifestações de ignorância
De um poder de tijolos falsos
A destruição é manifestação de poder
E a resposta é mais destruição
Desse poder.
quinta-feira, 27 de outubro de 2022
Se a pedra ouvisse
Esteja onde estiver
Faça o que fizer
Pense o que pensar
Diga o que disser
Tenha o que tiver
Sinta o que sentir
Está onde não estou
Estou onde não está
Se ao coração falasse
À tentativa de possuir
Outros mil ao sentir
A falta
Muitos mais ao engano
Que há nisso tudo
E no que falta sentir
Que nunca é de mais
Se for beleza
Por mais que confunda
A céu aberto
Até o desejo doer
Na cava profunda
Da sombra suave
De castelos de areia
Diria mil tolices
Às flores por perto
Sem fazer ideia do tempo
Sem sepultura
Voltar para trás
Aos gritos
Para fazer a vontade
Aos versos aflitos.
terça-feira, 25 de outubro de 2022
Racionalidade e inteligência
Quando perguntamos para que serve a filosofia, já estamos a filosofar.
A filosofia é a racionalidade humana a operar num ambiente de manifestação de inteligência, da própria racionalidade. E como acredito que não existe irracionalidade, nem nos números irracionais, porque é fruto da racionalidade, distinguiria a faculdade da racionalidade da faculdade da inteligência.
A racionalidade como função biológica, diria, inerente à biologia, talvez seja dada e tão inevitável como a própria vida. Mas a inteligência é um estado de pensamento complexo, um processo que se desenvolve, agrega e transcende de cada vez que vê e se revê e reflecte e que consegue ter de si própria algum tipo de imagem. Ela instrumentaliza tudo, incluindo as memórias e as conjecturas e não é sua menor qualidade tentar evitar, senão impedir, ser instrumentalizada. Isto coloca-a numa espécie de abstracção, fora do tempo e do espaço, conquanto esteja no tempo e no lugar de um corpo.
Feitas estas considerações para estimular o pensamento, vejo a filosofia como o modo privilegiado de manifestação da inteligência, não necessariamente de inteligência, no sentido de que a inteligência é um processo e a última inteligência é que é inteligente.
Diferencio assim racionalidade de inteligência. Aquela é um mecanismo conatural e constante, diria variável independente, esta é um processo evolutivo e profundamente dinâmico, dependente de imensas variáveis, mais ou menos controláveis, inelutáveis ou acidentais, quer conjunturais, quer estruturais, que “aprende” sempre, independentemente das situações bio culturalmente favoráveis ou desfavoráveis, mas essa aprendizagem é muito variável e inconstante e pode ser mais ou menos ampla e profunda, nomeadamente, a aprendizagem com os erros.
A filosofia é a inteligência em acção. Se fosse uma máquina, começaria por se desmontar a si própria, mas não é e nunca será uma máquina, porque a inteligência não pára, não estaciona, não está em sítio nenhum embora funcione num sistema de conexões neurológicas que nunca repousam.
Ora, a inteligência em acção é a racionalidade a operar num espectro de possibilidades entre as quais, inelutavelmente, escolherá (não escolher também é escolher). Sem consciência, está arredada a possibilidade de escolha. A consciência é o que pode responsabilizar. Mas ninguém tem acesso a ela. O próprio indivíduo é colocado como juiz em causa própria. De pouco ou nada lhe adiantará ajuizar como ajuizaria o Deus absoluto que sonda e conhece as consciências melhor do que elas próprias.
«Atreve-te a pensar por ti próprio». Em reforço de Kant, diria que “pensar é próprio de ti e só podes pensar por ti próprio. A tua consciência é o último tribunal de recurso”.
Inteligência e sentido de dever aparecem-me unificados e radicados na consciência, sempre que se trata de acção. Se a este sentido de dever chamar lei moral, terei aqui mais um determinismo da acção (não estritamente determinismo natural, porque grande parte dos nossos processos biológicos escapam à nossa consciência), que deriva da faculdade da racionalidade.
Já a doutrina cristã do pecado reconhecera função chave e crucial ao reduto da consciência, conferindo-lhe a primazia nos processos de imputação de culpa.
Talvez por necessidade de coerência doutrinal e teológica, a doutrina do perdão dos pecados, mantinha Deus na competência de exclusivo e absoluto perscrutador da consciência de cada um, de omnisciente e infinitamente misericordioso e, ao mesmo tempo, exonerava-o de qualquer responsabilidade onerando a consciência do indivíduo pelos seus actos.
Estes problemas têm sido, aliás, transversais aos sistemas judiciais da cristandade, que têm lidado com a questão da culpa subjectiva, colocando-a entre parêntesis, ou simplesmente, fundando-a no dever ético-social e jurídico de conformação das condutas com a lei.
Do ponto de vista do indivíduo, todavia, o problema subsiste porque é iniludível a clivagem, ou hiato, que existe entre aquilo que é o dever-ser social, colectivo, heterónomo e aquilo que é o dever-ser pessoal, individual, autónomo, os quais, por muitas razões, podem não coincidir e até conflituar, sendo que, a última instância, como já referimos, é deste (sobreleve embora o problema do balanço que fará entre as sanções e a vantagem da obediência).
A transição do sistema teocrático milenar até à modernidade e contemporaneidade foi brutal mas nem por isso assimilada e integrada no “modus vivendi”, como soía.
A ideia de Deus é muito difícil de abandonar, ou de substituir, porque a ideia de Deus reúne tudo o que há de bom, bem, justo, misericordioso e, se não existe, devia existir. Vamos continuar a lutar para que exista Deus.