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sexta-feira, 17 de setembro de 2021

Liberdade de expressão - Igualdade - Liberdade

O facebook pode ser um instrumento de influência e de condicionamento de opinião e, só por isso, já requer vigilância por parte de todos nós.

A liberdade de expressão é da máxima importância e poucos se dispõem a bater-se por ela, como se ela fosse negligenciável, em troca de um sorriso, de uma palmadinha nas costas ou de uma esferográfica com o logótipo do chefe.

Quando se negligencia a liberdade de expressão, ou melhor, quando um de nós, seja em que situação for, perante o papa ou o rei, se sente impedido, constrangido, abafado, com receio de ser banido do círculo e lançado às feras, está na hora de pensar que a liberdade de expressão é só para alguns.

Mas o verdadeiro problema da falta de liberdade de expressão, que é uma dura realidade, mesmo nas democracias mais evoluídas, é que ela é o sintoma mais chocante da falta de liberdade e da negação da igualdade.

segunda-feira, 13 de setembro de 2021

Ainda não chegamos


Naquela manhã o nosso objectivo era simples

montar nos cavalos

e numa hora

chegar ao ponto donde se avistava o castelo

depois cada um procuraria o melhor caminho

mas nunca atravessando o rio

Estávamos habituados a cavalgar a planície

e pernoitamos sob a via láctea

hipnotizados pelo concerto arrebatador

da fauna noctívaga

e pelo aroma inesquecível da pradaria

até os cavalos sonharam

que tinham asas

Para evitar o sol escaldante

ainda as estrelas brilhavam

arreamos as dóceis montadas

e sonolentos partimos

mas ainda não chegamos.


quinta-feira, 9 de setembro de 2021

Perder de vista


Ao perderes de vista
O rio
Não inventes destinos
Nem sonhes origens
Que todos desconhecem
E não te apoquente a certeza
Mais do que a incerteza
Que te entristece
Existe o mar
E o socorro a náufragos
E sempre hás-de estar
Aonde chegarem as esperanças
Que a vida nunca é menos do que isso
Nunca é menos do que tudo
O que vem nos livros
Até a leitura de um poema que seja
Ultrapassa os limites da poesia
Que cai da borda da água
Porque o oceano não tem grades
E um barco não sobe escadas
Para o infinito
Não inventes o que não presta
Nem sonhes que perdeste
O que nunca tiveste
Ao perderes de vista
O rio.

sábado, 4 de setembro de 2021

Deambulação


Deambulas

De suave fragor

De vagas

De mar

De verão

De olhos

De peixes fora de água

De aves agora famintas

De teu pão.


quinta-feira, 26 de agosto de 2021

O MAIOR INIMIGO


Quando o velho bebeu o último copo
E foi embora
Fecharam o bar
Lá fora no escuro da noite
Ele sabia que os lobos só o espiavam
Por curiosidade
Para lhe farejarem a alma
E não lhe quisessem o coração
Mas por precaução
Levava consigo duas cabeças de carneiro
Para lhes arremessar
Quando se aproximassem
Não era a primeira vez
Que tinha de percorrer um caminho
Emboscado
Até chegar a casa onde vivia sozinho
E desencantado
Era como se os lobos em troca
O escoltassem
Porque matariam qualquer ladrão
Que arriscasse ser farejado
Nos seus intentos
Toda a vida preferiu percursos perigosos
E essa é a explicação que dá a si mesmo
Para a solidão em que sempre viveu
Em troca de não ser forçado a nenhuma alienação
Que não fosse o normal esquecimento
Faltava-lhe instinto de fuga
Vivia como se não passasse pelas coisas
Como se permanecesse num tempo de burro
A olhar para a experiência
Sem descartar nada
Nem o perigo
Até que já não podia mais
Enfrentar o maior inimigo
A tristeza
Das suas memórias.

domingo, 22 de agosto de 2021

Promessas

O que estragava a felicidade do presente
Era a ameaça do futuro
E nunca mais deixou de ser assim
Enquanto éramos crianças felizes
Sem futuro
E sem passado
Tudo tinha o seu tempo seguro
E as nossas palavras eram nossas
E as nossas alegrias eram nossas
Tudo era nosso
E o nosso era tudo
Mas quando nos disseram que tínhamos de deixar
De ser assim
Tivemos de aprender que não podíamos continuar
A ser felizes
Por mais que nos dissessem que a felicidade
Era outra coisa no futuro
Para nós não passava de uma ameaça
Que nunca acabou
E que nos foi convertendo
Em descrentes
A quem roubaram tudo
Com promessas.

sábado, 14 de agosto de 2021

História por contar

Há uma história recente para contar, desde o 25 de abril, que é a resposta à pergunta: "como a direita e os fascistas se têm vingado levando, pelas mãos da esquerda, um país livre à ruína, sabotando toda a economia e todos os apoios e toda a redistribuição de riqueza?". 

O panorama empresarial português, sobretudo algumas empresas que passaram ou ainda estão na bolsa de valores de Lisboa, e não apenas no PSI20, ou 18, ou 15, podem ser boas pistas de investigação e de reflexão. Mas trabalham numa amplitude temporal que lhes permite passarem despercebidos aos radares "fotovoltaicos" da atenção conjuntural. 

A direita percebeu muito bem que quem domina em ditadura domina em democracia, a questão do domínio não é meramente política. Basta afivelar a máscara no palco da tragédia.

domingo, 1 de agosto de 2021

Ser Poeta


Num mundo de ideais por realizar, em que idealizar deixou de ser prudente e sensato, em que o ideal é não ter ideais, ser poeta é a pena máxima a que alguém pode ser condenado por descobrir que um homem é uma ilha e sentir que isso é o contrário de praticamente tudo, excepto de um ideal.
Num mundo em que a indústria do som, das arengas, das propagandas e dos engodos é capaz de manter perpetuamente infatigável a máquina, a troco da nossa fadiga e alheamento, ser poeta é ser um pobre diabo sem procuração para representar nada nem ninguém.
Neste mundo estranho, fascinante para quem consegue, num concurso para escolher o seu sósia, o poeta não seria classificado nos três primeiros lugares.
De todos os que falam, ou lhe falam, em nome de qualquer coisa, ou entidade (é a mesma coisa), seja Deus (não há quem declaradamente se afirme mandatário do diabo), seja a Verdade, seja a Justiça, a Sabedoria, a Beleza, a Virtude, o poeta não se contenta com menos do que uma procuração conferindo-lhes esses poderes especiais, devidamente assinada por quem lhas, alegadamente, outorgou. E por não se contentar com menos do que isso, fica por contentar, porque ninguém tem esses poderes.
O poeta não fala por procuração. Não é advogado de causa nenhuma, nem professor de coisa nenhuma. Ao falar, em nome próprio, o poeta não está a falar acerca de nada, está a falar (a)penas.

Carlos Ricardo Soares