Hilário: se fores capaz de tomar posição, já estás com sorte. Aliás, se tiveres a noção do que isso é, já estás
em posição de compromisso e de luta, em vez de fuga e de alienação.
Amiga: mas precisas de ser forte e de ter carácter, porque os sarilhos, por vezes disfarçados de boas intenções e de vantagens, não cessarão de te assediar e de te importunar.
Hilário: até sob a forma de pretextos respeitáveis, ou mesmo em nome de insofismáveis princípios.
Amiga: sobretudo naqueles momentos em que baixas a guarda.
Hilário: e nem é preciso que sejas invejável, ou que sejas uma pessoa afortunada.
Amiga: até o facto de sempre teres sido um desgraçado que sobreviveu a todo o tipo de dificuldades e de adversidades fará inveja.
Hilário: nunca entendi porque é que isso acontece, mas sempre achei que os ricos têm inveja dos pobres.
Amiga: e também têm inveja uns dos outros, mas nisso os humanos são todos iguais.
Hilário: mas vê o que fazem os Estados e os povos uns aos outros. Não lhes chega serem os mais poderosos, ainda querem aquilo que os outros têm. Se não puderem tirar-lhes mais nada, tentam tirar-lhes a vida, como se isso fosse um direito da força que tenha de ser respeitado pelos mais fracos.
Amiga: eles não suportam que os pobres lhes façam frente e sejam capazes de sobreviver, nunca perceberam como é que conseguem, como são capazes, como têm o desplante de existirem sem se curvarem perante eles.
Hilário: e tentam submetê-los até os aniquilarem, para se certificarem de que eles, afinal, são normais, também morrem.
Amiga: não sei explicar, mas acho que os ricos acreditam que aos pobres nada faz falta porque não têm nada a perder.
Hilário: da janela das aeronaves, olham para os indefesos e abanam a cabeça “vivem felizes mas deviam estar mortos de inveja de nós”.
Amiga: isso eles não suportam, ficam furibundos.
Carlos Ricardo Soares
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