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domingo, 31 de outubro de 2021

Dá largas à imaginação

Dá largas à imaginação
Deixa-te tocar pela magia de uns olhos
Ainda que sejam falsos
A magia não
Pelo arrebatamento das palavras
Ainda que sejam uma gravação
O arrebatamento não
Deixa-te seduzir e envolver pelo cenário
De paz e de amor que almejas
Ainda que sejam uma miragem
A sedução não
Deixa-te levar pelas promessas de outro mundo
E pelas flores efémeras
Ainda que sejam para assear campas
As promessas não
Como se alguém te subornasse
Com bolos
E o suborno não.

segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Se puderes, se não, tenta dizer isso a alguém

Se tivesses, ou se tiveste, ou se tens, de te posicionar, mesmo que de uma varanda para o mundo, e confessar, de um lado, por exemplo, do lado dos ricos ou do lado dos pobres, diz-me qual é o teu lado, e dir-te-ei o que penso.

Se puderes, mantém-te ferozmente independente dos grupos de interesses, que cercam e permeiam os comércios e os favores políticos, que não respeitam as regras do jogo democrático, que tentam ganhá-lo a todo o custo, sem pejo nenhum em fazerem batota.
Se puderes ser independente aceitarás o risco e o desafio de seres tratado com hostilidade e desconfiança por todos os que tu olhas com humana compreensão, mas não com condescendência nem com negligente desatenção.
Se puderes ser independente não serás líder de nada, nem de ninguém e, na melhor das hipóteses, tentarás ser líder de ti mesmo, porque os líderes são uns tipos que têm poder.
Se puderes recusar a condição de obediência e sujeição que te impõem como se te oferecessem vantagens, não enjeites reflectir sobre quanto em ti é feito de recusas e de submissões, de iniciativas e de liberdades.
Se puderes, investiga e desafia sem medo e sem favores e, se tiveres que te sacrificar, ainda que o sacrifício seja alto, é por um valor e um bem eminente, que importa a todos e que não está disponível nos mercados, nem nos purgatórios.
Se puderes, que sejas uma inspiração para os valentes, que não sabem o que fazer, e para os fracos, que adoptam a solução mais cómoda e imediatamente mais plausível na perspectiva do grupo dentro do qual negoceiam protecção e recompensas, em troca de vassalagem.
Se não puderes, interroga-te sobre a tua impossibilidade, sobre as causas dessa impossibilidade e tenta dizer isso a alguém.
Nunca é tarde para abrirmos os olhos e constatarmos que o coração serve para muito mais do que bombear sangue para as artérias e que as nossas preocupações devem alargar-se até àqueles que trabalham e lutam por liberdade, direito e justiça.

quarta-feira, 20 de outubro de 2021

Não somos completamente cegos


Passamos pelas coisas
E vemos pouco
Por isso não somos completamente cegos
E passamos pelas ruas
E pelos dias
Como se fossem iguais
Se víssemos muito
Nunca seria suficiente
Mas seria sempre mais
Do que gostaríamos de ver
Para caçar Pokémons
Para escapar do Covid
E de gases com efeito de estufa
Salvem-se os limpa fossas
E que os combustíveis fósseis
Lutem pela nossa sobrevivência.

quinta-feira, 14 de outubro de 2021

O colapso


Se estamos

À beira do colapso

Não o vemos

É como deus

Ninguém pode ver o colapso

Se alguém o visse morreria primeiro.


terça-feira, 5 de outubro de 2021

Linguagens e música


As linguagens são uma maquinaria prodigiosa            

com milhões de anos

que esventra moléculas com a mesma apetência

com que chega às estrelas na ponta de um tubo

e saem de realejos avariados                                                                                               

em músicas que ninguém aprende a tocar

senão mais tarde

quando alguém reparar                                                                     

que nada tem conserto

e der um concerto

que nós ouvimos de modo incipiente

sonâmbulos delas

nas mãos delas

possuídos por elas

ébrios delas

loucos que pensam que as têm na mão

e que as fazem aliadas

mas não.


sábado, 25 de setembro de 2021

Eu e Euclides


Eu e Euclides não vivemos no mesmo mundo

Podemos estar no mesmo planeta

Na mesma sala

À mesma mesa

Euclides vive num mundo

Que foi criado com subtileza

E livro de instruções

E acha que o único trabalho digno

É aprender a seguir as instruções

Por isso quando morrer vai para o céu

Ou para o inferno ou para o purgatório

E diz que eu não tenho escolha

Por ter nascido no mundo impossível

Que não foi criado

E quando se nasce num mundo impossível

Não se vive nem se morre

Eu

já lhe disse que não sei nada do mundo dele

E fico espantado como ele sabe tanto do meu

Apesar de ser um mundo impossível

Euclides diz que vive no melhor dos mundos

Eu

Compreendo melhor o problema

De vivermos em mundos diferentes

Eu

Crio espaço

Euclides cria o número

Eu

Crio ambiente

Euclides não quer saber

Fala convictamente

E chega a embaraçar

Ostentando a chave

De porta inexistente

O meu mundo é construir liberdade

O dele estala agoiro

A partir de linhas imaginárias

Sobe aos pináculos

Da comoção

Mas onde estou

Só alcanço saber quem ousou

Ser mais do que devia ser

E o pôde fazer

Euclides cedo aprendeu a fazer

O que quer

Mas ninguém ainda lhe ensinou

A cumprir o seu dever

E se me olha para dizer que

Eu

Faça o que fizer

Não faz sentido

Euclides não é amigo.


Carlos Ricardo Soares 

sexta-feira, 17 de setembro de 2021

Liberdade de expressão - Igualdade - Liberdade

O facebook pode ser um instrumento de influência e de condicionamento de opinião e, só por isso, já requer vigilância por parte de todos nós.

A liberdade de expressão é da máxima importância e poucos se dispõem a bater-se por ela, como se ela fosse negligenciável, em troca de um sorriso, de uma palmadinha nas costas ou de uma esferográfica com o logótipo do chefe.

Quando se negligencia a liberdade de expressão, ou melhor, quando um de nós, seja em que situação for, perante o papa ou o rei, se sente impedido, constrangido, abafado, com receio de ser banido do círculo e lançado às feras, está na hora de pensar que a liberdade de expressão é só para alguns.

Mas o verdadeiro problema da falta de liberdade de expressão, que é uma dura realidade, mesmo nas democracias mais evoluídas, é que ela é o sintoma mais chocante da falta de liberdade e da negação da igualdade.

segunda-feira, 13 de setembro de 2021

Ainda não chegamos


Naquela manhã o nosso objectivo era simples

montar nos cavalos

e numa hora

chegar ao ponto donde se avistava o castelo

depois cada um procuraria o melhor caminho

mas nunca atravessando o rio

Estávamos habituados a cavalgar a planície

e pernoitamos sob a via láctea

hipnotizados pelo concerto arrebatador

da fauna noctívaga

e pelo aroma inesquecível da pradaria

até os cavalos sonharam

que tinham asas

Para evitar o sol escaldante

ainda as estrelas brilhavam

arreamos as dóceis montadas

e sonolentos partimos

mas ainda não chegamos.