É assim que o poeta é
a motivação do poeta é
do mais sagrado
há
quem o tome por louco
que diz coisas estranhas
quem o não entenda
quem se ria
quem desdenhe
quem tolere
o poeta "trabalha pro bono"
por vezes com sacrifício da própria vida
a sua motivação não o implica com a desumanidade
nem com os ataques mortíferos e destruidores à natureza
nem com a ignorância e o amorfismo
o poeta não pretende roubar nada
nem tirar nada a ninguém
nem pretende ficar calado e quieto
quando é preciso ser alguém.
sábado, 14 de abril de 2018
sábado, 31 de março de 2018
Como se nada fosse
Há-de haver sempre uma atriz
ou um ator
no lugar onde o teu pensamento
é a forma de alguma dor
que atua
que é tua
que é a tua
de alguém ou de ninguém
à deriva no sem fim
em que tudo se dilui
tão abruptamente quanto a solidão
do silêncio e do frio
da ignorância
dos séculos erodidos
expõe
seus ossos tristes
esbugados
rochedos carcomidos
que o sol devora calmamente
como se nada fosse
como sempre.
sábado, 3 de março de 2018
O poder da literatura
A literatura (da poesia ao ensaio,
passando pelo romance e pela profecia, adivinhação, ladainha, canção, fado,
escárnio, maldizer, drama de faca e alguidar, relatos, de viagens, de todo o
tipo de crónicas e de policiais, até às orações e sermões e elogios...) permite
uma expressão verbal, praticamente sem limites, de todo o tipo de representação
ou signo, sem condicionamentos de lógica, sentido, significado, noção,
conceito, moral, licitude, virtude, respeito, dever, etc.
À literatura nada é vedado, nem a
invenção, nem a mentira, nem a verdade, sobretudo aquela verdade em que tanto
se vive, que é uma verdade feita de falsidades, hipocrisias e mentiras. Na
minha biblioteca de filosofia e de ciência e mesmo de uma grande parte da
literatura (bem comportada) é tudo tão convencional, tão conceitual, tão
voltado para o objeto que pouca diferença faz ler um livro escrito há mil anos
ou um acabado de sair. Dá a impressão de que a vida e a história, as traições,
as trapaças, o assédio, o incesto, as vigarices, os roubos, as violações, as
escravaturas, as guerras ocultas, os ódios inconfessáveis, os fantasmas
invencíveis que atormentam até os mais esclarecidos filósofos e cientistas, as
verdadeiras dores e misérias humanas, da guerra e da discriminação que tantas
pessoas sofrem...dá a impressão de que nada disso acontece. Tudo é transformado
em conceito abstrato, ou seja, em nada mais do que ideia.
A literatura pode, e muitas vezes tem-no
conseguido, "falar" da vida como ela é, sem estar subjugada sequer a
qualquer dever de "falar" e, menos ainda, de "falar" como
deve ser.
Tudo é susceptível de ser utilizado,
tocado, tratado ou maltratado, incorporado, atacado, "destruído",
pela literatura, que pode ser usada como arma impiedosamente letal de religiões
e de costumes e, quantas vezes, de pessoas já mortas, ressuscitando-as em
memórias para as poder matar as vezes que for preciso... ou amar sem limites.
Na minha biblioteca de filosofia e de
ciências e de literatura, só alguns livros de literatura me falam da verdadeira
vida e do pensamento e das ideias e dos fantasmas, dos medos e das tormentas e
das injustiças irremediáveis, da dor que impede os humanos de serem felizes e
da grandeza, da magnanimidade daqueles que, apesar de tudo, garantem, com o seu
trabalho e a sua virtude e o seu talento, a vitória da vida sobre a morte e do
bem sobre o mal.
Ela denuncia as podridões dos malditos e os heroísmos dos justos, ela nos mostra o verdadeiro rosto por trás das máscaras, despertando-nos de ingenuidades perigosas e inocências fatais, chamando as coisas pelos nomes...porque as palavras são, quase sempre, a única arma de que dispomos no conflito interminável com os demónios e os deuses e também é com palavras que podemos construir as nossas asas e as nossas praças fortes, os nossos tribunais e os nossos paraísos de procura e encontro de sentido para os problemas...
Ela denuncia as podridões dos malditos e os heroísmos dos justos, ela nos mostra o verdadeiro rosto por trás das máscaras, despertando-nos de ingenuidades perigosas e inocências fatais, chamando as coisas pelos nomes...porque as palavras são, quase sempre, a única arma de que dispomos no conflito interminável com os demónios e os deuses e também é com palavras que podemos construir as nossas asas e as nossas praças fortes, os nossos tribunais e os nossos paraísos de procura e encontro de sentido para os problemas...
A literatura mostra, patenteia, ostenta,
incorpora pelas palavras tudo o que quiser e puder a imaginação do escritor.
Muitas vezes até faz um aproveitamento desmesurado da importância de certos
assuntos, acontecimentos, realizações, artes, monumentalidades, indo buscar
brilho ao próprio objeto.
Muitos livros de notáveis escritores são constituídos em 90% de "materiais" artísticos, ou potencialmente estéticos, alheios, seja o convento de Mafra, sejam as personagens bíblicas...
Muitos livros de notáveis escritores são constituídos em 90% de "materiais" artísticos, ou potencialmente estéticos, alheios, seja o convento de Mafra, sejam as personagens bíblicas...
Um homem com a sua ciência e a sua
filosofia pode não precisar de uma religião, mas precisa de literatura para
sair do deserto.
Carlos Ricardo Soares
sábado, 27 de janeiro de 2018
Solo
Sento-me na superfície do planeta
na capa externa
das rochas
das rochas
a contemplar
o nascimento do solo
complexo e dinâmico
mineral e orgânico
vegetal e animal
orgástico
por onde o ar e a água circulam
recebendo e redistribuindo
a energia solar
que arde na lenhite
na hulha e na antracite.
quinta-feira, 21 de dezembro de 2017
É preciso entoar
Preciso escrever que
Nem era preciso escrever
Porque nada existe
Que não tenha voz
Pelo menos
Que não diz
Que não seja gesto
Pelo menos
Que não seja nariz
Pelo menos
Que não seja sombra
Pelo menos
Que não seja raiz que
Dizemos
Ou simplesmente
Sabemos que
Não sabemos
Ou apenas ignoramos
A origem
Que não seja força
Pelo menos
Que não seja morte
Entoação
Nem que seja
Ao vento
Caravela de letras
Entoada
Ao mar da sorte
Uma canção
Ao destino
Pode ser
Um cântico
Pode erguer
O peso de partir
À leveza de chegar.
Nem era preciso escrever
Porque nada existe
Que não tenha voz
Pelo menos
Que não diz
Que não seja gesto
Pelo menos
Que não seja nariz
Pelo menos
Que não seja sombra
Pelo menos
Que não seja raiz que
Dizemos
Ou simplesmente
Sabemos que
Não sabemos
Ou apenas ignoramos
A origem
Que não seja força
Pelo menos
Que não seja morte
Entoação
Nem que seja
Ao vento
Caravela de letras
Entoada
Ao mar da sorte
Uma canção
Ao destino
Pode ser
Um cântico
Pode erguer
O peso de partir
À leveza de chegar.
sábado, 9 de dezembro de 2017
Alma de sem abrigo
Este silêncio
se ouve
na asa partida
do vento
a arrancar penas
à vida
pelas ruas da amargura
alma sem guarida
nem pelos sagrados sinais
o eterno
sela as portas do inferno
e abre as celestiais.
segunda-feira, 13 de novembro de 2017
Templo de sombras
Busco as sombras porque a luz fere
para ver mas nem tanto
e para não morrer
por enquanto
descubro com prazer
alguns horizontes de toupeira
nesta galeria labiríntica
da maçã.
quarta-feira, 13 de setembro de 2017
Assim fala o vulcão
No
dia em que as moscas e as ervas
e
os grãos de pó
bailavam
ao sol da tarde
opinando
e dando ordens entre si
como
grandes senhores de tempos remotos
que
sem esforço nem talento
gerem
a seu bel prazer
o
que julgam ser
mas
não é
sentiu-se
um abalo
quando
o vulcão se queixou
tenho
de me sacrificar
porque
já não aguento mais
para
vós é fácil
flores
passarinhos gasosas améns
mas
eu não vou em procissões
para
chegar onde está o verme
não
sabem nem imaginam
a
força e o esforço
que
tenho de fazer
a
rosa e o jasmim tão delicados
quase
nem acordam
e
ao vento dizem sempre sim
mas
eu não tenho aliados
estão
todos aliados
contra
mim
mas
agora que pus a cabeça de fora
vão
ter de me ouvir
até
ao fim
desprezo-vos
e
ao
deus que explorais
vis
animais.
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