Amiga: Hilário, acorda! Ele estava aqui…Dom Quixote de la Mancha! Com lança em punho, aos gritos, a atacar como se o moinho fosse um monstro!
Hilário: disseste lança, D. Quixote? Onde está? Mas que raio se passa? Tu andas a dormir com os livros do Cervantes debaixo da cabeça? Sonhaste?
Amiga: não era só sonho…Era como se o moinho se tivesse erguido contra nós, como se este abrigo fosse, afinal, o inimigo.
Hilário: o moinho está quieto. As pedras não se mexem, o vento não grita. As estrelas inclinam-se sobre nós como testemunhas. Só tu é que acordaste em pé de guerra.
Amiga: mas, e se D. Quixote tiver razão? E se este lugar, que parecia abrigo, for só mais uma ilusão? Como se estivéssemos a esconder-nos do mundo, em vez de o enfrentar?
Hilário: até pode ser que seja isso mesmo. Mas quem disse que temos de enfrentar o mundo todos os dias? Às vezes, parar também é coragem.
Amiga: mas o sonho…Quixote gritava como se o moinho não existisse, como se fosse alucinação. Como se morar aqui fosse desistir.
Hilário: ou talvez fosse só o teu medo a falar com sotaque de cavaleiro andante. Que forma queres dar aos fantasmas?
Amiga: e se for isso? Se este moinho for só mais um disfarce daquilo que não queremos ver?
Hilário: então que seja. Mas agora, ele é o abrigo. Sossega, vamos dormir. Só estamos rodeados de silêncio. E isso já é mais do que muitos têm.
Amiga: e D. Quixote? Será que não volta a atacar pela porta sem ferrolho dos sonhos?
Hilário: ele passa, grita e segue. Nós ficamos. E talvez, só talvez, isso também seja uma forma de andar.
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