Hilário: sabes o que sinto, diante deste moinho parado? Que somos dois vagabundos ao vento que sopra devagar. Então este silêncio é como se o mundo se tivesse esquecido de nós.
Amiga: de nós e deste moinho abandonado. Hilário… Acho que podíamos ficar aqui. Este moinho tem tudo: sombra, pedra, vento. Não é castelo, mas também não nos pede nada. Estás a ouvir ou estás a olhar para o céu?
Hilário: ficar? Mas nós nunca ficámos. Nem sabemos por que andamos, quanto mais por que parar?
Amiga: talvez seja isso. Talvez este seja o fim do caminho, ou o começo de outro. Aqui não há ninguém a mandar, nem ninguém a esperar. Podíamos chamar-lhe casa.
Hilário: casa?…Tu sempre foste boa a ver abrigo onde eu só vejo ruína. Mas e o resto? E o que nos trouxe até aqui?
Amiga: e o que foi, Hilário? Sabes dizer? Alguma missão? Algum plano? Ou só o hábito de andar, como quem foge sem saber de quê?
Hilário: deixa-me pensar...Talvez fosse isso. Talvez andássemos porque parar parecia traição.
Como se o mundo nos tivesse prometido alguma coisa
e nós, teimosos, fôssemos cobrar.
Amiga: mas nunca cobramos. Nunca pedimos. Só seguimos, como dois pontos errantes.
Hilário: e agora queres fazer do moinho um ponto final?
Amiga: não um final. Uma vírgula. Onde o vento não nos empurre, mas nos embale.
Hilário: ai este cansaço. Pois então… que seja. Mas se amanhã acordarmos com vontade de andar, promete que não vais dizer que fracassamos.
Amiga: está prometido. Talvez o fracasso seja fingir que há um roteiro, quando tudo o que temos é o moinho.
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