Se estas ruínas
aliás belas
aliás monumentais
são o que resta
daquilo por que viveste
e por que tanto lutaste
com seriedade
que ao menos pudesses
ter tido a antevisão inefável
do que agora aos nossos olhos
é um desfecho desolador
de tantas vidas escarnecidas
hipotecadas à transcendência
daquele castelo mutilado
outrora altivo
e daquela igreja irreconhecível
outrora preservada
sem que ao menos
soubéssemos um pouco
da história de uma delas
podia ser até da mais humilde
das contingências de uma vida
vivida nestes penhascos
tão acabrunhados
podia ser até da última pessoa
a fechar os olhos à história
a toda a grandeza
de que não se ouve
sequer em memória
uma voz
sequer ilusória
a sair destas ruínas colossais
por onde agora só
alguma sombra de nuvem passa
e não deixa rasto.
Não eram ilusões
eram sonhos
necessidades bem reais
dores e angústias
frustrações de ideais
batalhas cruéis
fantasias
que podiam ser fatais
paixões que cortavam
visões carnais
que importavam tanto
por serem apostas totais
sem suspeitas de que aí
a sabedoria
não era mais.
No fim só
vi farrapos e não bandeiras
orações que agitei
a todos os deuses garantes
da minha ingenuidade
de os ter pela arreata
dos meus caprichos
foi isso que em sonhos
antegozava infantilmente
que mais dizer
daquilo que me fez sentir
a falta
do que menos tive
quanto mais desejei?
E como compreender
que gosto de ter sido o autor
desse mundo impossuído?
E como saber
(se o não sei)
porque fui banido
por tudo aquilo em que acreditei?
No fim
a poesia
é o único tecido
a adejar
minha companheira
de que faço bandeira
por o ter sido.