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domingo, 21 de julho de 2019

Artes e Ciências


As diversas disciplinas têm uma linguagem que pode distingui-las, até certo ponto, mas todas têm em comum o serem sistemas de observação, análise, investigação, estudo e reflexão sobre determinados "objectos de estudo", com objetivos de "conhecimento".
A linguagem de cada uma delas, normalmente, já constitui um repositório decantado de conceitos e de noções que corporizam alguma forma de conhecimento. 
Assim, por exemplo, quando estudamos literatura, ou teoria da literatura, ou história da literatura, filosofia ou história da filosofia, estudamos conhecimentos corporizados em torno de obras literárias, de obras filosóficas, ou de problemas filosóficos, mas grande parte desses conhecimentos são teóricos, são teorias sobre...as obras, as ideias, os processos, os conteúdos e a forma, a contextualização, os significados, os impactos.
Outra coisa são as obras objeto de estudo. 
Ao falar da literatura, da filosofia, da história, das artes, posso fazê-lo com o mesmo rigor e exatidão com que falo do peso da lua, do volume da água do mar, da velocidade da luz, etc..
Embora este tipo de conhecimento não nos ensine a pesar a lua, nem quanta água há no mar, nem nos prepare para usar a eletricidade como força motriz, ou a perceber a velocidade da luz, ou por que razão a velocidade de um corpo não pode ultrapassar a velocidade da luz...não deixa de ser a linguagem da(s) ciência(s).
O cientista, supondo que mantém sempre a mesma preocupação e responsabilidade científica, não fala com mais rigor científico, quando fala sobre a teoria da relatividade geral de Einstein, do que quando fala sobre a autoria e o conteúdo dos Lusíadas, ou sobre a Lógica de Aristóteles, ou sobre a batalha de S. Mamede.
O rigor ou a falta de rigor não tem a ver com o rigor e o mérito científico das disciplinas propriamente ditas, mas com o rigor e o mérito científico de quem fala delas.
Neste plano, poder-se-ia dizer que todas as ciências são exactas, senão não seriam ciências, embora possamos talvez distinguir entre juízos científicos, sobre realidades (as realidades não são exactas) e "juízos" conclusões de lógica pura e abstracta, cuja referência à realidade é de ordem matemática.
A divisão entre ciências não pode ter o significado de umas serem mais ciências do que outras.
Se um cientista da área da Física acha que não deve ouvir um cientista da área da botânica, porque este não lhe merece respeito científico ou um cientista da área da história despreza um especialista de Direito Fiscal, por este não ser das ciências exactas, aí já estamos a falar de uma divisão de ordem diferente, que tem a ver com estatutos sócio-económicos-académicos das várias ciências.
De qualquer modo, as diferenças entre um cientista e um matemático e um artista, um romancista, um pintor, um poeta, no que respeita aos respetivos objectos, problemas, de trabalho, ou "estudo", elaboração, incluindo as respectivas linguagens, objectivos(resultados) e finalidades, são muitas e são notáveis.
Aqui, talvez seja comum encontrar pessoas que se ignoram umas às outras, simplesmente, porque não estão interessadas no que os outros fazem, ou porque não conseguem dedicar-se a muitas coisas ao mesmo tempo, ou porque não sabem, etc..

quarta-feira, 17 de julho de 2019

Macacadas

Olhando sem deslumbramento, nem comodismo, nem paixão, para o mundo que nos rodeia e invade, sem dar tréguas, vejo macacos a fazerem macacadas, com o ar mais sério deste mundo, de colares no pescoço e penteados fabulosos emoldurando um rosto, tantas vezes velho e sisudo, para não dizer carrancudo, que não abdica da sua proeminência sobre os outros macacos, ainda que se queixem de tudo.
Não tratemos dos humanos como se fossem macacos e nós não.

Carlos Ricardo Soares

segunda-feira, 15 de julho de 2019

Surtos migratórios e dever de solidariedade


É incrível o modo como tem sido tratado, resolvido, o problema dos migrantes, mormente, dos refugiados, pelas mais diversas e dramáticas razões.
Nem quero imaginar o que aconteceria se os europeus, ou os americanos...se vissem forçados a um êxodo em massa, por causas climáticas, guerras, catástrofes naturais.
O que fariam se tivessem que evacuar uma cidade de 12 milhões de pessoas para outro território?
Se uma cidade como Paris, ou Londres, ou Nova Iorque, se tornassem inabitáveis por causa do calor, ou de um bombardeamento, ou de uma epidemia...
A crise dos migrantes veio colocar um problema dos mais difíceis, porque era suposto que, neste ponto da história, os governos dos diversos países, ufanos de inteligência, poder e invencibilidade, guardiões da experiência milenar dos surtos migratórios pelas piores razões, peritos no pronto-socorro e manobras de salvamento, com forças militares e para-militares em permanente alerta, capazes de neutralizar qualquer ameaça nuclear, fossem capazes de equacionar e de resolver uma "simples" questão de emergência humana.
Por não terem sido capazes, sequer, de a considerarem como questão sua, ou problema seu, deram o sinal, que ninguém esperava e todos receavam, de que o planeta não é de todos ou, de que, uns têm mais direitos sobre o planeta do que os outros.
Os países, ou as pessoas que agora se recusam a ajudar refugiados, se um dia precisarem de refúgio, merecerão o quê? Suspeitamos de que, se tiverem poder para isso, não pedirão acolhimento, nem asilo, nem exílio. Invadirão.
Por outro lado, não deixa de ser uma triste ironia que, há quatrocentos anos, forçassem as pessoas a "migrar", raptando-as das suas terras e levando-as para trabalhar nesses lugares que, hoje, elas buscam para se salvarem e lhes recusem o salvamento.
Dificilmente qualquer um de nós pensará nos migrantes desesperados sem, por algum momento ou razão, admitir que, amanhã poderá ser um deles e que eles possam ser como nós.

sexta-feira, 5 de julho de 2019

A educação e o ensino, antes de o serem, já o eram.


Penso que muitas confusões são disseminadas (intencionalmente) ao sabor dos ventos políticos, não políticos, ou ideológicos propriamente ditos, mas políticos de partidos (não necessariamente organizações político-partidárias) avassalados. 
Parece fácil ser contra uma coisa e a favor de outra, mais ou menos contrária. 
Parece fácil ser, ao mesmo tempo, a favor de uma coisa e da sua contrária. 
Mas há uma dificuldade que é o vazio, a náusea, a imunidade. 
Os anticorpos são o que nos salva, professores e alunos, do caldo sulfuroso e demoníaco do palavreado. 
Se a educação sofre e corre perigo, é por causa do palavreado que se reproduz à velocidade da luz. 
Os educandos desenvolvem anticorpos, estão a salvo, mas a educação tem que se cuidar. 
E não tem outro remédio.
Falar em educação moderna, ou nova educação e em educação tradicional é falar de um problema que nem é novo, nem é tradicional.
O problema da educação não se reduz a opções de pedagogias, nem de didácticas, nem de métodos de ensino, nem de métodos de aprendizagens.
Diria que estes aspectos são a realidade da escola enquanto lugar/espaço/tempo de transmissão/aquisição/avaliação de competências/conhecimentos/valores.
Ou seja, não existe escola sem isso. A escola é isso. 

É muito? Depende. É pouco? Depende.
Depende do que ensinar e do que aprenderem e de muitas coisas mais. 

Mas o ensinar e o aprender dependem de inúmeros factores, uns controláveis, outros não e outros mais ou menos controláveis.
Das inúmeras falsas questões, ou pelo menos irrelevantes, meramente redundantes ou ruidosas, em torno da escola, destaco a recorrência ao qualificativo "tradicional", como se fosse a panaceia e a resposta para todos os problemas. 

O ensino é tradicional, a educação é tradicional. 
Isso é bom? Mas se até os defensores do tradicional/panaceia/resposta estão na primeira linha da sua crítica?!
Se os testemunhos pessoais valessem como argumento para alguma conclusão, eu, que fui educado e ensinado no século anterior, na escola do Salazar e do Caetano e, depois, do 25 de abril, não lhe encontrei nenhuma qualidade ou virtude. 

A escola não deve ser apenas uma instituição de certificação de competências. Isto é o caminho mais fácil para a escola e para muitos alunos, mas não é para todos. 
A escola de hoje é incomensuravelmente melhor, nem tem comparação, com a escola (era escola?) dos meus tempos de estudante. Aprendia-se mais? Ensinava-se mais? Avaliava-se melhor? Não. 
Experimente-se um quadro comparativo, em duas colunas, entre a escola de há 40/50 anos atrás e a escola de hoje.
Quanto às teorias, do ensino centrado no aluno ou expositivo, não são mais do que isso, teorias. 

O construtivismo? Não foi a geologia que produziu as pedras. 
A educação e o ensino antes de o serem já o eram.

quinta-feira, 27 de junho de 2019

Os constructos sociais são o diabo


Os constructos sociais são o diabo. Até temos de "desconstruir" a ideia de cientista, por oposição/contraposição a ciência.
E se, por acaso, a ciência confirmasse a existência de raças humanas? Qual o problema? E se confirmasse que os brancos eram inferiores? O que é que isso (inferior) significaria?
E se se confirmasse que uma mosca é uma espécie muito superior (pelos critérios racistas-quais?) à humana?
Nas ciências sociais e humanas surpreende-se uma subtileza interessante, no que respeita ao método científico: as explicações naturais, que são a regra para a explicação dos fenómenos, pelas leis da natureza, geralmente são falaciosas para os fenómenos sociológicos, ou, por outra, é incorrecto procurar explicar "naturalisticamente" fenómenos sociológicos, como por exemplo, procurar explicar o analfabetismo de quem não foi à escola com a natureza estúpida dessas pessoas.
A ciência é e será utilizada pelas pessoas para atingirem os seus interesses. Tal como a pseudociência e a numismática ou a homeopatia, ou a religião, ou as ideologias.
Neste momento, a ciência já está sitiada pelos poderes e não tem poder para se livrar deles. Assim vai o mundo!

quinta-feira, 13 de junho de 2019

Escola imensa escola


Tudo o que se possa dizer sobre a Escola, e é imenso, não pode deixar de ter em atenção um princípio, que deverá nortear tudo o resto, o princípio da humanização da Escola e a sua função civilizacional.
Se a Escola e os professores e os currículos e os programas e os projetos e os espaços e os tempos e os princípios pedagógicos e as políticas educativas e as filosofias e os valores...não respeitarem e não se subordinarem àquele princípio de humanização da Escola, de que Escola estaremos a falar?
Não é sequer a questão do estudo das humanidades. É a questão do respeito e da cultura de humanização, civilização, cidadania, paz e desenvolvimento, cada vez mais prementes.
Nada, nem ninguém, substitui a vocação humanizadora e civilizacional da Escola e tudo lhe deve ser vinculado, sob pena de os problemas maiores a temer serem as pessoas.
As realidades humanas e sociais, os problemas humanos e sociais, os problemas sociológicos, sobrelevam cada vez mais em acuidade, relativamente a tantos problemas técnicos e tecnológicos.
Não faz sentido centrarmos mais a nossa preocupação no perigo dos robots e da inteligência artificial do que no perigo que as pessoas podem representar, sobretudo as que controlam os poderes da ciência e da tecnologia.
O mais difícil, que nenhuma ciência por si só resolve, é assegurar que a Escola tenha um rosto humano, seja humana, amigável em vez de hostil, integradora e incentivadora de bons comportamentos e atitudes, com as condições físicas e ergonómicas básicas.
Nem as sociedades mais evoluídas e mais ricas o têm conseguido. Conseguem mais facilmente produzir bombas atómicas e venenos e demónios invisíveis.
E depois, mas isso são outros problemas graves, há o papel avaliador e classificador da Escola.
A Escola não pode ser reduzida a esta função mobilizadora das aprendizagens e dos alunos.
As aprendizagens, a motivação para aprender, para questionar, para explorar e descobrir, muitas vezes abortam em ambiente de avaliação, classificação. E, independentemente disso, muitas vezes não se coadunam, nem convivem saudavelmente, com a pressão de competições viciadas, utilitaristas, mercantilistas, dos saberes que “contam”.
Muita curiosidade se dá bem com as contas a receber, mas nenhuma curiosidade resiste à pressão das contas...a pagar. 

domingo, 9 de junho de 2019

Educai-vos uns aos outros

A educação e o ensino e a aprendizagem são demasiado importantes.
Se houvesse um mínimo de racionalidade científica sempre que se opina sobre esta temática, os progressos impor-se-iam, quase involuntariamente.
Os templos da educação e do ensino não passam de mistificações seculares, redundantes e falaciosas como uma religião qualquer.
Pode parecer provocatório ou irónico, mas ainda não foi dada a necessária atenção crítica ao problema. O sistema de ensino está condenado porque não permite que os professores sejam professores, que os alunos sejam alunos, nem que a aprendizagem seja aprendizagem no bom sentido da palavra. Aprender, aprende-se sempre. Ensinar, não. Mas há a boa e a má aprendizagem.
E não vou dizer mais porque estou cansado, já tive o meu dia de trabalho assalariado (sal) e não sou ministro da educação, nem das finanças, nem comentador de televisão (banqueiro, que vive do dinheiro dos outros e se queixa do pib como se fosse o rei a queixar-se da pila, dirigente político à espera que o voto resolva os problemas, presidente de associação de empregadores a queixar-se da falta de ambição dos trabalhadores, sindicalista a fingir que reivindica, piscando o olho ao seu partido no governo...)


domingo, 26 de maio de 2019

O maior desafio intelectual

O acesso à literatura sempre foi dificultado e, atualmente, muito mais. Não é que alguém tenha dificuldade em aceder a um livro. É muito mais do que isso. Só tem acesso à literatura quem tiver tempo e condições de leitura, pensamento, reflexão, escrita, partilha, crítica. 
Na realidade, é preciso ser uma espécie de herói ou de privilegiado para aceder, usufruir e escolher um modo literário de estar e de manifestar.
Mas é o modo de estar e de se manifestar mais promissor e mais poderoso que se possa imaginar, mais aberto e livre e libertário, sem condicionantes metodológicas ou de processos, nem morais, nem éticos, nem científicos, nem pessoais...
Nada pode ser tão apetecível para um humano que quer expressar, comunicar, divulgar, registar...como a literatura.
Não conheci ninguém que lhe encontrasse limites, a não ser, claro está, os que apontei inicialmente e que se vêm agravando com a despromoção e eliminação de espaço e tempo "concedido", no ensino e na vida, à literatura.
Infelizmente, uma das razões para não escrever ou ler, é estarmos mobilizados para uma guerra prioritária dos outros, que não se compadece com aquilo que tu sentes, ou queres, ou pensas, ou gostas, ou imaginas e que é insensível e surda à tua guerra e à tua paz... e à tua vida. 
Mas há quem, no meio dos bambardeamentos, ainda encontre força e discernimento para olhar, pensar, sentir, escrever, nem que seja com sangue, nas paredes, no chão...
A literatura é o maior desafio intelectual que um homem pode aceitar.
Haja inteligência e imaginação para criar personagens que sabem muito mais do que o autor.