Desiste de procurar-me
Nem eu sei
Onde me perdi
Nas tardes de Verão
Onde perdi o livro
Que andava a escrever
Sobre as tardes de Verão
Em que me perdi
Antes de te encontrar
Se fosse numa ilha
Era fácil partir do princípio
De que só podia estar lá
Mas foi num continente
Que não existe
E nisto nunca irás acreditar.
quarta-feira, 20 de janeiro de 2010
domingo, 17 de janeiro de 2010
Venenasas
Esta certeza é efémera como todos os brilhos
Como as chamas arrefecem nas órbitas
De monstros venenasas
Ruínas de castelos que já foram no ar
Sobranceiros a campos
Onde são matagais
Cemitérios onde adros já foram festivos
Esta tristeza desmemoriada do que foi alegria
Ao compasso de todas as músicas
De todas as marchas não reeditadas
E dos silêncios sobrevindos
De todos os sinos
De todos os tempos
Tratados de filosofia
À espera
De um cérebro que os pense
Até à próxima explosão do Universo
Que não precisa da ciência
Nem de contexto histórico
Como a minha morte
Para acontecer
Sou fútil e distraído
Como as estrelas brilham
Como um ébrio enquanto não adormece
Trato de banalidades
Porque já é aquilo que há-de vir a ser
Eu já nasci morto.
Como as chamas arrefecem nas órbitas
De monstros venenasas
Ruínas de castelos que já foram no ar
Sobranceiros a campos
Onde são matagais
Cemitérios onde adros já foram festivos
Esta tristeza desmemoriada do que foi alegria
Ao compasso de todas as músicas
De todas as marchas não reeditadas
E dos silêncios sobrevindos
De todos os sinos
De todos os tempos
Tratados de filosofia
À espera
De um cérebro que os pense
Até à próxima explosão do Universo
Que não precisa da ciência
Nem de contexto histórico
Como a minha morte
Para acontecer
Sou fútil e distraído
Como as estrelas brilham
Como um ébrio enquanto não adormece
Trato de banalidades
Porque já é aquilo que há-de vir a ser
Eu já nasci morto.
sábado, 9 de janeiro de 2010
Vestida de sombras
Há sombras em que o carmim aos lábios
aflora e desnuda o sorriso dela
e me insinua aquele lanço de escada
a subir para os alfarrábios
sombras que a vestem
entre as pernas
de uma ideia
completamente iluminada
por fora
da roupa dela
e que brilha nos cabelos
em que esconde o milagre
dos seus olhos.
aflora e desnuda o sorriso dela
e me insinua aquele lanço de escada
a subir para os alfarrábios
sombras que a vestem
entre as pernas
de uma ideia
completamente iluminada
por fora
da roupa dela
e que brilha nos cabelos
em que esconde o milagre
dos seus olhos.
sábado, 2 de janeiro de 2010
Poema de amor
Fugi das luzes dos espaços amplos
Escondi-me das vistas
De sacerdotes e juízes
E da curiosidade
Do constrangimento
Das lendas de amor
Para te olhar com a pobreza
Da minha solidão
E falar-te do prazer
Como se fosse a mentira
Do amor
Do que tarda mais
E não sabemos
Se haverá
Algo mais
Que o calor do corpo
Que temos para dar.
Escondi-me das vistas
De sacerdotes e juízes
E da curiosidade
Do constrangimento
Das lendas de amor
Para te olhar com a pobreza
Da minha solidão
E falar-te do prazer
Como se fosse a mentira
Do amor
Do que tarda mais
E não sabemos
Se haverá
Algo mais
Que o calor do corpo
Que temos para dar.
quinta-feira, 24 de dezembro de 2009
sexta-feira, 18 de dezembro de 2009
Gosto do Natal
Gosto do Natal
Mas não gostava que o Natal
Fosse todos os dias
Já gostei do Natal
Por ser época de guloseimas
E de magia
E tinha graça ouvir dizer
Boas Festas
Feliz Natal
E Bom Ano Novo
Na cidade enfeitada de alegria
Depois gostei do Natal
Porque me lembrava natais
Que já não pode haver
E era triste às vezes
Andar sozinho pelas ruas
De um Natal futuro
A ouvir canções
Para esquecer
Mais tarde gostei do Natal
Por ser época festiva
Ideal para me declarar humano
Como se tivesse andado distraído disso
Então sem me perguntarem
Se gostava do Natal
Eu dizia que ninguém tem o direito
De ser feliz
E menos ainda de fingir que o é
Enquanto houver alguém triste
E não importa o que isso é
E ouvi quem disse
Que o Natal é uma chatice
Que o Natal nada lhes diz
E quem repetisse
Sem nada de original
Que todos os dias deviam
Ser dias de Natal
Hoje gosto do Natal
Porque é Natal.
Mas não gostava que o Natal
Fosse todos os dias
Já gostei do Natal
Por ser época de guloseimas
E de magia
E tinha graça ouvir dizer
Boas Festas
Feliz Natal
E Bom Ano Novo
Na cidade enfeitada de alegria
Depois gostei do Natal
Porque me lembrava natais
Que já não pode haver
E era triste às vezes
Andar sozinho pelas ruas
De um Natal futuro
A ouvir canções
Para esquecer
Mais tarde gostei do Natal
Por ser época festiva
Ideal para me declarar humano
Como se tivesse andado distraído disso
Então sem me perguntarem
Se gostava do Natal
Eu dizia que ninguém tem o direito
De ser feliz
E menos ainda de fingir que o é
Enquanto houver alguém triste
E não importa o que isso é
E ouvi quem disse
Que o Natal é uma chatice
Que o Natal nada lhes diz
E quem repetisse
Sem nada de original
Que todos os dias deviam
Ser dias de Natal
Hoje gosto do Natal
Porque é Natal.
quarta-feira, 16 de dezembro de 2009
O livro de todo o conhecimento(XII)
É difícil decidir o que fazer nesta tendência continuada de descida das cotações dos títulos em Bolsa. Vender agora? Só acreditando que a queda se irá acentuar. Mas quando será o momento para voltar a comprar? E se as cotações continuarem a cair mais e mais? O meu primeiro pensamento, depois de uma desvalorização de dez a vinte por cento de alguns dos principais títulos tem sido comprar, não é vender, porque acredito que eles vão recuperar de um dia para o outro. O optimismo ou a expectativa positiva, muitas vezes, impede as pessoas de tomarem decisões sensatas. Mas o pessimismo pode levar a decisões precipitadas de que nos arrependemos.
Deixei o computador ligado e fui tomar o pequeno-almoço. Ainda era cedo para ligar a Teresa. Era preciso ouvir o que havia, afinal, para saber sobre maus tratos, violações, masoquismo, aberrações sexuais… . E saber junto da polícia qual foi o procedimento seguido no que respeita ao meu automóvel.
Não estava com fome, mas engoli a custo uma torrada com manteiga e uma chávena de leite quente com chocolate. Contrariamente ao dia de ontem, que começou normalmente, no dia de hoje, já comecei com muitos problemas para enfrentar.
Às nove horas e dezassete marquei o número de Teresa, mas não atendeu. Liguei para a enfermeira Cândida.
- Sim, sim, Dr. Veríssimo?
- Olá enfermeira, bom dia, está tudo bem?
- Ainda bem que ligou, que aflição, meu Deus! Tentei inúmeras vezes contactá-lo, mas o Dr. tinha o telemóvel inacessível. Já estava preparada para ir à polícia se não conseguisse localizá-lo. Que é que lhe aconteceu ontem?
- Como? O que é que soube?
- Pouco depois de lhe ter telefonado ontem a avisar que havia muitas coisas escabrosas que deveria conhecer sobre Teresa e A. Carrancas, recebi uma mensagem anónima a dizer que o carro do Dr. foi encontrado abandonado sobre a ponte D. Pelayo.
- Só isso?
- Só.
- E foi. Eu também soube disso pela própria polícia.
- Que é que aconteceu?
- O que eu sei e só isto lhe garanto é que enquanto estive no tribunal com a Teresa, alguém me furtou o carro e eu vim para casa de táxi.
- Ai que alívio! Puxa!
Fiquei apreensivo, mesmo preocupado, com a origem e o possível significado da mensagem anónima que alguém enviou à enfermeira. O furto do automóvel não aconteceu por acaso e havia sinais de estar relacionado com algo mais em que me queriam envolver. Mas o que seria? Não quis que a enfermeira percebesse quanta importância eu dava àquela mensagem e, fingindo ignorar o teor da mesma, mudei de assunto.
- Enfermeira Cândida, não consegui contactar com a Teresa há momentos, por isso lhe liguei.
- Teresa está em casa mas tem o telemóvel desligado até tarde.
- Era para saber dos tais pormenores escabrosos a que se referiu ontem e que podem ter relevância para o processo.
- Se não se importar, acho preferível de tarde, às 15horas. Pode ser?
- Pode, está combinado então.
Pela janela pude ver a melhoria do tempo. Já não chovia e o vento cessara. O Às andava a inspeccionar o exterior e não se detinha a farejar sinais de presença humana recente. Nos últimos tempos a casa parecia-me assustadora, tanto pela sua história como pelas suas dimensões. Havia imensas coisas que o Às não poderia farejar. E tornara-se uma obsessão que exigia todo o tempo de mim. A última descoberta que fiz, numa tímida incursão pelos subterrâneos, no dia vinte e quatro, foi um conjunto de vinte e quatro bíblias manuscritas, em muito bom estado de conservação. Essa descoberta criou-me receios e preocupações adicionais, nomeadamente, quanto a defesa e segurança de um património que suponho de valor inestimável. Mera coincidência ou não, o facto de serem vinte e quatro obriga-me a especulações e conjecturas, a primeira das quais foi ser esse o número de horas que tem o dia e, logo a seguir, o simples facto de as ter descoberto no dia vinte e quatro. Depois, quando decidi voltar a colocá-las no local donde as havia retirado, os sinos do campanário da igreja badalavam as vinte e quatro horas.
Deixei o computador ligado e fui tomar o pequeno-almoço. Ainda era cedo para ligar a Teresa. Era preciso ouvir o que havia, afinal, para saber sobre maus tratos, violações, masoquismo, aberrações sexuais… . E saber junto da polícia qual foi o procedimento seguido no que respeita ao meu automóvel.
Não estava com fome, mas engoli a custo uma torrada com manteiga e uma chávena de leite quente com chocolate. Contrariamente ao dia de ontem, que começou normalmente, no dia de hoje, já comecei com muitos problemas para enfrentar.
Às nove horas e dezassete marquei o número de Teresa, mas não atendeu. Liguei para a enfermeira Cândida.
- Sim, sim, Dr. Veríssimo?
- Olá enfermeira, bom dia, está tudo bem?
- Ainda bem que ligou, que aflição, meu Deus! Tentei inúmeras vezes contactá-lo, mas o Dr. tinha o telemóvel inacessível. Já estava preparada para ir à polícia se não conseguisse localizá-lo. Que é que lhe aconteceu ontem?
- Como? O que é que soube?
- Pouco depois de lhe ter telefonado ontem a avisar que havia muitas coisas escabrosas que deveria conhecer sobre Teresa e A. Carrancas, recebi uma mensagem anónima a dizer que o carro do Dr. foi encontrado abandonado sobre a ponte D. Pelayo.
- Só isso?
- Só.
- E foi. Eu também soube disso pela própria polícia.
- Que é que aconteceu?
- O que eu sei e só isto lhe garanto é que enquanto estive no tribunal com a Teresa, alguém me furtou o carro e eu vim para casa de táxi.
- Ai que alívio! Puxa!
Fiquei apreensivo, mesmo preocupado, com a origem e o possível significado da mensagem anónima que alguém enviou à enfermeira. O furto do automóvel não aconteceu por acaso e havia sinais de estar relacionado com algo mais em que me queriam envolver. Mas o que seria? Não quis que a enfermeira percebesse quanta importância eu dava àquela mensagem e, fingindo ignorar o teor da mesma, mudei de assunto.
- Enfermeira Cândida, não consegui contactar com a Teresa há momentos, por isso lhe liguei.
- Teresa está em casa mas tem o telemóvel desligado até tarde.
- Era para saber dos tais pormenores escabrosos a que se referiu ontem e que podem ter relevância para o processo.
- Se não se importar, acho preferível de tarde, às 15horas. Pode ser?
- Pode, está combinado então.
Pela janela pude ver a melhoria do tempo. Já não chovia e o vento cessara. O Às andava a inspeccionar o exterior e não se detinha a farejar sinais de presença humana recente. Nos últimos tempos a casa parecia-me assustadora, tanto pela sua história como pelas suas dimensões. Havia imensas coisas que o Às não poderia farejar. E tornara-se uma obsessão que exigia todo o tempo de mim. A última descoberta que fiz, numa tímida incursão pelos subterrâneos, no dia vinte e quatro, foi um conjunto de vinte e quatro bíblias manuscritas, em muito bom estado de conservação. Essa descoberta criou-me receios e preocupações adicionais, nomeadamente, quanto a defesa e segurança de um património que suponho de valor inestimável. Mera coincidência ou não, o facto de serem vinte e quatro obriga-me a especulações e conjecturas, a primeira das quais foi ser esse o número de horas que tem o dia e, logo a seguir, o simples facto de as ter descoberto no dia vinte e quatro. Depois, quando decidi voltar a colocá-las no local donde as havia retirado, os sinos do campanário da igreja badalavam as vinte e quatro horas.
terça-feira, 8 de dezembro de 2009
O livro de todo o conhecimento(XI)
A.Carrancas continuou desaparecido sem dar sinais de vida. Embora a polícia não se tenha convencido de que o facto de o carro aparecer abandonado no meio da ponte se tenha ficado a dever à simples coincidência da falta de combustível, o certo é que não apareceu nenhum cadáver ou outros indícios que pudessem relacionar o veículo com outro crime que não fosse o de furto de que eu, entretanto, me queixara formalmente.
Nos dez anos seguintes, vários cadáveres foram retirados das águas daquele rio. Porém, nenhum deles, pela ordem natural das coisas e pelas regras da mais elementar experiência, poderiam estar relacionados com o caso do meu automóvel. Seis desses casos tiveram cabal explicação no próprio dia da sua ocorrência. Só um ficou por explicar, mas não podia estar relacionado com o caso do carro abandonado sobre a ponte, pela óbvia razão de a morte ter ocorrido alguns anos depois.
Cada vez mais me deixei seduzir pela tese da morte de A. Carrancas e não pela ideia de que estivesse simplesmente desaparecido, como toda a gente parecia supor, ou parecia fazer crer.
Era muito mais interessante para todos pensar-se que A. Carrancas andava a monte, fugindo à justiça. Mas ele podia ter sido assassinado, ou simplesmente ter morrido, dias antes da alegada tentativa de assassínio de Teresa e esta, conluiada com a enfermeira, terem feito desaparecer ou terem ocultado o cadáver e simulado aquela tentativa, atribuindo-a a A.Carrancas e queixando-se à polícia de um crime que ele não cometeu e pelo qual não estaria em condições de alguma vez responder.
O caso andava a absorver-me demasiado e, quanto mais pensava numa possível explicação que ajudasse a desvendar o intrincado problema, mais ele se intricava.
Depois do que Teresa e Cândida me contaram sobre abusos sexuais e ofensas corporais, pareceu-me ser altura de me amparar ao saber e experiência do meu colega Carlos Soares.
Este ilustre advogado também foi de opinião que eu tinha dado fé a uma determinada versão e não conseguia ser imparcial na ponderação das variáveis. Considerava os meus palpites demasiado inquinados de emoções e afectos e representações prévias, como se eu tivesse interesse num desfecho e não noutro. A tese da morte parecia-lhe tão plausível como a da não morte.
- Vejamos, dizia ele - A. Carrancas pode ter um efectivo interesse em que alguém pense como o colega está a pensar. Então, o facto de estar desaparecido permite e, de certo modo, até obriga a que se pense nisso mesmo.
- Quer dizer que A.Carrancas pode ter desaparecido com o intuito de fazer pensar que foi assassinado?
- Sim.
- Mas a minha tese é que ele foi assassinado e que pretendem fazer pensar que está simplesmente desaparecido para fugir à justiça.
- Alguma coisa o impede de pensar, por exemplo, que tudo não passa de uma grande simulação, de um grande embuste, para entreter e enganar a justiça.
- Como? Que a tentativa de homicídio de Teresa, os maus tratos, a queixa, a cadeira de rodas, o desaparecimento de A. Carrancas, podem não passar de um embuste?
- Isso mesmo. E vou mais longe, caro colega, prepare-se para todo o tipo de surpresas. Não descarte a hipótese de A. Carrancas continuar no melhor dos relacionamentos com Teresa, a encontrar-se com ela, enquanto o ex.mo colega dá voltas na cama sem poder adormecer a pensar que algures alguém ocultou o seu cadáver depois de ter cometido um brutal homicídio.
Neste momento não pude deixar de rir na cara do colega Carlos Soares. Mas este não se descompôs:
- Ria, ria à vontade que lhe faz bem.
- Desculpe, mas não estava preparado para ouvir uma coisa destas.
- Convém estar preparado para tudo. Aceite como natural a possibilidade de, um dia destes, sem esperar e sem o desejar, dar de caras com ele na rua ou em casa de Teresa…
- Não, agora acho que o colega está a brincar. Não está a falar a sério, pois não?
- Estou, estou. E ao dizer-lhe tudo isto suponho, obviamente, que A. Carrancas existiu alguma vez e não é também uma invenção.
Nos dez anos seguintes, vários cadáveres foram retirados das águas daquele rio. Porém, nenhum deles, pela ordem natural das coisas e pelas regras da mais elementar experiência, poderiam estar relacionados com o caso do meu automóvel. Seis desses casos tiveram cabal explicação no próprio dia da sua ocorrência. Só um ficou por explicar, mas não podia estar relacionado com o caso do carro abandonado sobre a ponte, pela óbvia razão de a morte ter ocorrido alguns anos depois.
Cada vez mais me deixei seduzir pela tese da morte de A. Carrancas e não pela ideia de que estivesse simplesmente desaparecido, como toda a gente parecia supor, ou parecia fazer crer.
Era muito mais interessante para todos pensar-se que A. Carrancas andava a monte, fugindo à justiça. Mas ele podia ter sido assassinado, ou simplesmente ter morrido, dias antes da alegada tentativa de assassínio de Teresa e esta, conluiada com a enfermeira, terem feito desaparecer ou terem ocultado o cadáver e simulado aquela tentativa, atribuindo-a a A.Carrancas e queixando-se à polícia de um crime que ele não cometeu e pelo qual não estaria em condições de alguma vez responder.
O caso andava a absorver-me demasiado e, quanto mais pensava numa possível explicação que ajudasse a desvendar o intrincado problema, mais ele se intricava.
Depois do que Teresa e Cândida me contaram sobre abusos sexuais e ofensas corporais, pareceu-me ser altura de me amparar ao saber e experiência do meu colega Carlos Soares.
Este ilustre advogado também foi de opinião que eu tinha dado fé a uma determinada versão e não conseguia ser imparcial na ponderação das variáveis. Considerava os meus palpites demasiado inquinados de emoções e afectos e representações prévias, como se eu tivesse interesse num desfecho e não noutro. A tese da morte parecia-lhe tão plausível como a da não morte.
- Vejamos, dizia ele - A. Carrancas pode ter um efectivo interesse em que alguém pense como o colega está a pensar. Então, o facto de estar desaparecido permite e, de certo modo, até obriga a que se pense nisso mesmo.
- Quer dizer que A.Carrancas pode ter desaparecido com o intuito de fazer pensar que foi assassinado?
- Sim.
- Mas a minha tese é que ele foi assassinado e que pretendem fazer pensar que está simplesmente desaparecido para fugir à justiça.
- Alguma coisa o impede de pensar, por exemplo, que tudo não passa de uma grande simulação, de um grande embuste, para entreter e enganar a justiça.
- Como? Que a tentativa de homicídio de Teresa, os maus tratos, a queixa, a cadeira de rodas, o desaparecimento de A. Carrancas, podem não passar de um embuste?
- Isso mesmo. E vou mais longe, caro colega, prepare-se para todo o tipo de surpresas. Não descarte a hipótese de A. Carrancas continuar no melhor dos relacionamentos com Teresa, a encontrar-se com ela, enquanto o ex.mo colega dá voltas na cama sem poder adormecer a pensar que algures alguém ocultou o seu cadáver depois de ter cometido um brutal homicídio.
Neste momento não pude deixar de rir na cara do colega Carlos Soares. Mas este não se descompôs:
- Ria, ria à vontade que lhe faz bem.
- Desculpe, mas não estava preparado para ouvir uma coisa destas.
- Convém estar preparado para tudo. Aceite como natural a possibilidade de, um dia destes, sem esperar e sem o desejar, dar de caras com ele na rua ou em casa de Teresa…
- Não, agora acho que o colega está a brincar. Não está a falar a sério, pois não?
- Estou, estou. E ao dizer-lhe tudo isto suponho, obviamente, que A. Carrancas existiu alguma vez e não é também uma invenção.
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