Réstias porosas
De mar
No âmago
Quimeras
Conchas da mão
Remota
Espera calcária
Luar de encantos
Fossilizado
Verão
Que oscila
E a maré supera.
Carlos Ricardo Soares
Réstias porosas
De mar
No âmago
Quimeras
Conchas da mão
Remota
Espera calcária
Luar de encantos
Fossilizado
Verão
Que oscila
E a maré supera.
Carlos Ricardo Soares
Não colocaria o problema em termos de bem e de mal.
Mas tenho a percepção de que, historicamente, há processos que parecem confirmar que, por exemplo, o movimento dos revolucionários tende a tornar-se naquilo que combatem, e não numa alternativa, ou seja, o que achavam mal era mau porque não eram eles a fazê-lo.
Isso parece-me muito claro se pensarmos no fenómeno da (des)colonização, ou, para ser mais obsidiante, em certos comportamentos, nomeadamente, sexuais.
Carlos Ricardo Soares
As declarações de direitos humanos não são um pau de dois bicos mas, pelo menos, de três. Não é correto considerá-las como a outra
face (dos deveres) da mesma moeda. Sabemos da experiência corrente, quotidiana, que um dever refere-se a um exercício enquanto um direito se refere ao exercício e ao gozo. Os direitos e deveres humanos,
não estou a falar de direitos e deveres de origem contratual, que são a maioria, e nestes ressalta a negociabilidade, por exemplo, da liberdade, não têm correspondência sinalagmática,
de reciprocidade e igualdade restrita. Animais, crianças, incapazes, inimputáveis, são exemplos de direitos sem correlativos deveres.
Ainda antes de passar a outra questão, a metáfora
dos dois bicos, aplicada de um modo geral aos direitos do homem, parece-me muito interessante e ilustra muito bem a ideia de que ao apontarmos o bico para o outro estamos a apontar outro para nós.
A questão da razão de ser, que não confundo com a fundamentação teórica, dos direitos e dos deveres, as declarações de direitos
não carecem de ser complementadas com uma declaração de deveres, a não ser que não sejam universais, porque nesse caso é necessário discriminar os direitos e os deveres.
Se
perguntarmos porque surgiram e porque se afirmaram as proclamações da liberdade e da igualdade, não podemos deixar de pensar que na sua génese, histórica e cultural, está uma razão
de ser que é uma evidência lógica, em geral e abstrato. Uma coisa são os factos, a liberdade e a igualdade concretas e outra são os direitos, o direito. Aquelas não devem deixar de
ser “julgadas” à luz do direito.
A questão da dignidade humana, em meu entender, tal como a questão da dignidade dos outros seres vivos, radica na mesma lógica do direito, da igualdade
e da reciprocidade.
No caso dos humanos, a dignidade, ser digno de direitos, pode ser interpretada em várias perspetivas, mais ou menos paternalistas e hierárquicas, por exemplo, o direito como algo que
é concedido por quem tem o poder (no limite, de vida e de morte), religioso, político, militar, económico, como algo que tem a sua fonte numa relação de forças de cujo atrito se alcança
algum equilíbrio, no entanto, a Declaração Universal dos Direitos do Homem parece ir mais longe e colocar a tónica no facto, e no princípio, de que os direitos humanos são individuais,
pessoais e não estão (não devem estar), na esfera de disponibilidade de quem quer que seja, inclusive do próprio indivíduo. Não são, nesse aspeto, um título, ou um estatuto,
hierarquicamente conferido, ou concedido, como acontece, por exemplo, no caso do cidadão.
Digamos que ninguém nos pode dar o que é nosso e, menos ainda, como tantas vezes foi prática e continua
a ser, vender-nos o que é nosso.
Aliás, os Direitos do Homem não dependem de estarem escritos ou reconhecidos em algum lugar, inclusive nessa Declaração, o que torna este documento, também por isso, um grande pilar da civilização.
Em termos de hierarquia, eles estão no topo da pirâmide, justamente no lugar onde as religiões colocavam Deus, por herético que isto lhes soe.
Mas esta
dignidade tem o reverso da medalha: a violação de um valor tão alto é mais grave do que a violação de um valor mais baixo. E essa dignidade do homem não o dispensa, nem o põe
a salvo de ter que responder por ela.
Carlos Ricardo Soares
Independentemente de serem ou não serem conciliáveis dogmas ou discursos religiosos com outros discursos ou mesmo com dados da experiência, o que não vou discutir, por serem irrelevantes para a minha questão quanto ao humanismo e às publicações de um grupo de humanistas, quando penso em humanismo tenho sobretudo em mente que é o homem e apenas o homem que dá significado e atribui sentido a tudo, incluindo o próprio homem e quaisquer noções de humanismo.
Partir desta simples constatação de facto é fundamental para entendermos a autoria do ser humano em tudo o que podemos reconhecer como cultura e reconhecermos que, fora do ser humano, do indivíduo humano, há aquilo que não foi criado, nem produzido por ele e que, comummente, se designa de natureza, por oposição a cultura.
Esta constatação é fundamental ainda para definir a esfera do humano relativamente àquilo que não é humano.
Para ser humanista não basta ser contra tudo o que seja contra o homem, é ainda necessário ser a favor e promover tudo o que for favorável à sua realização. Mas é ainda necessária uma condição sem a qual aquelas duas posições colapsam: reconhecer e respeitar a igualdade de direitos e liberdades de todos os indivíduos humanos (não apenas quem nos apetece) e, no limite desta lógica, de todos os outros seres vivos e da natureza, porque a razão pela qual o ser humano deve ser respeitado e promovido é a mesma pela qual tudo o que não é humano também o deve ser.
E, quanto à liberdade de cada um agir sobre os outros seres vivos e sobre a natureza, ela só tem razão de ser na necessidade de sobrevivência à custa deles.
Basicamente, o direito dos humanos relativamente aos outros humanos, numa simples lógica de igualdade, autonomia, liberdade e reciprocidade, é o direito de não ser prejudicado por eles. Relativamente aos outros elementos da natureza, incluindo seres vivos, aplica-se o mesmo princípio.
Pensar em humanismo não pode passar ao lado destas considerações (humanas) de que o “tu” não é apenas o humano que eu reconheço como tal é também o que, reciprocamente, me reconhece a mim.
Nas relações com a outra natureza, seres vivos incluídos, não posso esperar senão que me reconheçam em função das suas aptidões e dinâmicas de interação física e bioquímica, mas não tenho um direito de disposição sobre eles para além das minhas necessidades de sobrevivência e, nas disputas humanas que sobre eles houver, todo o abuso e dano carece de justificação.
Por aqui se vê quanto estamos longe de sermos humanistas que colocam o indivíduo humano no topo dos valores e, justamente por este ser o autor, a fonte e intérprete dos mesmos, também o único responsável.
Nenhuma ideia deve ser, nem merece ser defendida contra um direito do homem, do ser humano, que o ponha em causa.
As ideias, a maior parte das vezes, prestam-se ao papel de armadilhas poderosas para capturar e neutralizar, ou anular determinados homens. Mas não devem servir para isso, até porque, se servem para capturar uns, também podem servir para capturar os outros.
Nesta ordem de ideias, mitos, deuses, religiões, filosofias, ciência, paganismo, judaísmo, cristianismo, islamismo, humanismo, enfim, toda a cultura, não são mais ou menos racionais, são racionais, o mais e o menos não são atributos da racionalidade e os atos são racionais, as manifestações de cultura são atos, são racionais.
É desta faculdade que, nos humanos, por efeito de uma necessidade de verdade (ter razão, estar certo), de direito (de acordo com a razão), moral, a que chamaria instância de dever-ser, em função da ética, decorre aquilo que, vulgarmente, se designa por progresso.
Na minha teoria o progresso é uma consequência, efeito, resultado, das escolhas ditadas em função daquele dever-ser. Mesmo que não fosse assumido como um programa e como objetivo, o progresso só poderá ser impedido, ou travado, por força das circunstâncias imprevistas, ou inelutáveis.
O mecanismo que criou deuses e demónios é o mesmo que criou o humanismo e as tecnologias.
Ao dizer que não há racionalidade mais ou menos racional não estou a significar, nem a querer dizer, que todos os indivíduos pensam sobre os mesmos termos com idêntico grau de consciência e de avaliação das possibilidades.
Cada indivíduo desenvolve mais ou menos atividade mental, intelectual, dentro de condições próprias, endógenas e exógenas, de acordo com situações e contextos, mais ou menos acidentais, mais ou menos voluntários e premeditados, dirigidos ou preparados para o trabalho de pensar.
Assim, por exemplo, o labor intelectual subjacente à elaboração e escrita deste artigo, envolve mais atos de racionalidade e de conexão entre memórias, onde a intuição opera e promove também memórias de conexões de memórias, do que se estivesse displicentemente a conversar, por exemplo, sobre o frio que faz hoje, mas a faculdade de racionalidade é a mesma. E, por outro lado, há efetivamente um conjunto de conclusões e uma sistematização de informação, a par de um processamento de conhecimento daí derivado, que é algo do mundo do pensado, inteligível, da linguagem, da codificação, mas que não deve considerar-se do mundo do sensível, da experiência. Não seria capaz e não me parece que seja possível, por exemplo, transmitir estas ideias através de sensações não codificadas.
E mesmo assim, codificadas, não posso ter certezas sobre a descodificação, por causa da subjetividade funcional e interpretativa do descodificador.
Carlos Ricardo Soares
Carlos Ricardo Soares