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sábado, 13 de maio de 2023

Problemas de cariz político, económico e social

Não reconheço qualquer vantagem no tipo de discurso alarmista, vago, pistoleiro, a disparar para todos os lados, pessimista, sem esperança, de impotência e catastrofista, apesar de se acomodar e de se prevenir com as cautelas e caldos de galinha do bom senso pedagógico e pacificador, que é sempre recomendável e, se bem não faz, mal também não.
A maior parte dos problemas de cariz político, económico e social, não são problemas para toda a gente e esse começa logo por ser talvez o maior problema, porque dificulta imenso, quer a abordagem e o reconhecimento dos problemas, quer as tentativas de os resolver. Do ponto de vista de um comentador, de um filósofo, de um sociólogo, o reconhecimento desses problemas como problemas objetivos, pouco ou nada adianta se ficar por generalidades, ou ideias ainda mais gerais sobre essas generalidades.
As coisas funcionam do modo como funcionam, porque as condições para isso estão criadas. Enquanto essas condições se mantiverem continuarão a funcionar. E não é por não gostarmos, ou não estarmos de acordo com essas realidades que elas passarão a ser outras, embora os descontentamentos, as manifestações, as oposições, as revoltas, as lutas, sejam germe e efeito de mudanças, que poderão ser de ruptura.
Normalmente as sociedades realizam algum equilíbrio entre "predadores" e "presas", como acontece na selva desintervencionada pelo homem. 
A nossa cultura é um desenvolvimento e aprofundamento desta relação "comercial" relativamente a mercadorias, sendo que o outro também entra nesta categoria de valores mercantis. Tudo estaria bem, em meu entender, como na selva, se todos pudessem ser predadores, tirar proveito, vigarizar, extorquir, ganhar, como o fazem as empresas que, nitidamente, nos sacam o dinheiro através dos mais sofisticados esquemas. Eu concordaria com esta alta e refinada cultura, em que as maiores inteligências investem desde sempre, se estivesse em situação ou posição de lhes fazer o mesmo. Isso seria a selva e seria bom. Mas estamos nos antípodas da selva e do mérito. 
O problema não é a sociedade baseada no mérito, é a sociedade não ter interesse no mérito, porque só interessa o resultado. Para se alcançar este também é preciso mérito, mas é um tipo de mérito de que ninguém tem coragem de se vangloriar, apesar de quase todos nós invejarem quem o tem: não é fazer batota, é fazer batota por algo que valha a pena sem ser apanhado. Existe uma ética clara em toda esta situação, só que imensa gente é doutrinada e educada para aqueles méritos que, na realidade, não lhes interessam, embora sejam preciosos para sustentarem o mérito dos que atingem os resultados. 
Posso ter o mérito de me preocupar com as questões éticas, de justiça social, de democracia, igualdade, mas não tenho o mérito de ser banqueiro que arrecada vantagens das suas habilidades, e muito trabalho, de estar em situação de deixar as questões éticas para o poder político e judicial, porque a ele talvez importe apenas gerir a realidade como ela se lhe apresenta: o dinheiro permite obter (não confundir com fazer) mais coisas do que qualquer outra coisa. 
Talvez um dia o dinheiro acabe e acabe a economia baseada no dinheiro. 
Admito que muitas das distorções da sociedade desapareceriam como por magia.

sábado, 6 de maio de 2023

Para sermos felizes


O pouco de que precisamos para sermos felizes depende de tanto e de tantas coisas, que preferíamos não ter de fazer, ou de enfrentar, que a felicidade acaba por ter, muitas vezes, um sabor amargo, como se fosse um presente envenenado.
Se é por isso que muitos de nós são lutadores, valentes ou valentões, mas neuróticos, essa espécie de heroísmo de si mesmos, à espera de uma taça que não existe, nem sequer alguma vez foi prometida, é um descalabro.
Quem tem coragem para reconhecer no espelho um idiota vítima da sua boa fé, ou da sua presunção de que os sonhos existem para serem realizados?

quinta-feira, 27 de abril de 2023

O que resta

Se estas ruínas

aliás belas

aliás monumentais

são o que resta

daquilo por que viveste

e por que tanto lutaste

com seriedade

que ao menos pudesses

ter tido a antevisão inefável

do que agora aos nossos olhos

é um desfecho desolador

de tantas vidas escarnecidas

hipotecadas à transcendência

daquele castelo mutilado

outrora altivo

e daquela igreja irreconhecível

outrora preservada

sem que ao menos

soubéssemos um pouco

da história de uma delas

podia ser até da mais humilde

das contingências de uma vida

vivida nestes penhascos

tão acabrunhados

podia ser até da última pessoa

a fechar os olhos à história

a toda a grandeza

de que não se ouve

sequer em memória

uma voz

sequer ilusória

a sair destas ruínas colossais

por onde agora só

alguma sombra de nuvem passa

e não deixa rasto.

 

sábado, 22 de abril de 2023

Não eram ilusões


Não eram ilusões

eram sonhos

necessidades bem reais

dores e angústias

frustrações de ideais

batalhas cruéis

fantasias

que podiam ser fatais

paixões que cortavam

visões carnais

que importavam tanto

por serem apostas totais

sem suspeitas de que aí

a sabedoria

não era mais.


sábado, 8 de abril de 2023

A poesia


No fim só

vi farrapos e não bandeiras

 

orações que agitei

a todos os deuses garantes

da minha ingenuidade

de os ter pela arreata

dos meus caprichos

 

foi isso que em sonhos

antegozava infantilmente

 

que mais dizer

daquilo que me fez sentir

a falta

do que menos tive

quanto mais desejei?

 

E como compreender

que gosto de ter sido o autor

desse mundo impossuído?

 

E como saber

(se o não sei)

porque fui banido

por tudo aquilo em que acreditei?

 

No fim

a poesia

é o único tecido

a adejar

minha companheira

de que faço bandeira

por o ter sido.


terça-feira, 28 de março de 2023

Amor amar e ser amado

No amor não é louco quem quer

mas quem a loucura arrasta

para um negócio em que o perder

não faz sentido nem afasta

da obsessão do prazer

que é suposto amor

ter

e nem por sombras

por amor se pensa

que entre amar

e ser

amado

existe alguma diferença

mas não ama quem quer

que amar requer

ainda mais do que ser

amado

e não é só pelo prazer

desejado

mas pela permissão

do que não nos é dado.

sábado, 18 de março de 2023

Que ecos ouviremos

I

Nem por sombras devemos 

pisar

presenças indefesas

que não vemos

nem com toda a suavidade

tocar a textura

de felgas que tombam

ao menor sopro

II

não devemos morder

nenhum enigma amistoso

nem com toda a delicadeza

ralhar 

às artes impossíveis

nem com a polidez surda

de tanta mágoa

cegos de tanto carpir

sobre muros de água

III

não devemos afluir

ansiosos 

pela tangência das pegadas

para não pisarmos a cauda impalpável

de eternidades 

adiadas

IV

não devemos macular

nem com um dedo fantasma

uma casta amorosa

sem temermos não ser entendidos

na enologia dos bagos

do afeto

das castas espontâneas

sem sermos reconhecidos

à entrada dos recintos

dos pontos cardeais

e despojados da santologia

do ouro e dos cristais

dos estandartes

de castas virtudes

de poentes de gala

a alvoradas de castiçais

V

não devemos cantar

de galo

nem conspurcar nada

nem a ferruginosa fadiga

dos que aguardam nos degraus

das alfândegas da fé

até se tornarem suspeitos

de estarem perdidos

VI

não devemos rogar

para sermos levados

para lugares ainda mais desconhecidos

que os não encontrados

VII

não devemos confiar

que tudo seja como assisadamente

sentimos o mosto

de gentilezas irrecuperáveis

da musa amiga minha

nem perguntar aos claustros

que encontraremos no caminho

das nossas tristezas

que graças libertinas

serão os nossos pulmões

e as nossas tibiezas

no silêncio das visões

da vida interior

que ecos ouviremos

ao pensar no amor.

 

domingo, 12 de março de 2023

Lucidez crítica

Louvo a lucidez e a acutilância crítica, que não cede a ambiguidades.
As religiões e as igrejas e muitas organizações políticas que se lhe assemelham e que lhes copiaram os métodos (estou a pensar nos partidos comunistas e nos fascistas), na minha perspetiva, são respostas humanas adaptativas, culturais, racionais, a situações e necessidades humanas, adaptativas, culturais, racionais. Elas foram e serão a melhor resposta até que apareça outra melhor.
Mas não podemos perder de vista o seguinte: elas nunca foram uma boa resposta.
Aliás, dificilmente ou nunca, houve uma boa resposta, nem sequer científica, a um problema. Este é o drama e a tragédia da condição humana.
Todos pensamos saber o que é melhor, mas ninguém sabe o que é o bom.
Quanto a Cristo, a quem não podemos atribuir méritos, nem responsabilidades, porque não terá escrito nenhuma das palavras que lhe são atribuídas, continua a ser crucificado, como se continuasse vivo na cruz, por aqueles que mais se servem dele para fins contrários ao que ele simboliza.
Os grandes cristãos, verdadeiros cristãos, não eram religiosos e não pertenciam a nenhuma igreja, mas preconizaram a doutrina cristã que, em certo sentido, não deixa de ser ateia.
Encontramo-los no iluminismo, os mesmos pensadores que a igreja católica abomina e culpa de todos os males, que souberam interpretar a doutrina cristã da igualdade, pedra angular de todo o edifício da civilização, que nem os gregos, nem o romanos, nem os teólogos cristãos lograram perceber.
Aqueles que, dizendo-se cristãos, não foram capazes de compreender a doutrina de Cristo, foram superados por quem os desprezava nas suas contradições e que, justamente, não eram cristãos que se serviam de Cristo para fins contrários à doutrina cristã.
Para dizer, em suma, que me causa tristeza e angústia ver, por todo o lado, tantos monumentos à infâmia, de que destaco a basílica de S. Pedro no Vaticano e outras construções faraónicas, não por serem, como as vejo, monumentos à infâmia que, como tais e como obras de arte, devem ser preservados, mas como locais de peregrinação, de culto e de adoração.