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sexta-feira, 24 de abril de 2020

Naufrágios


Porque estes tempos não animam, mas sempre deixam vislumbrar o lado das desgraças, que não pode ser negativo, porque negativo é próprio da contabilidade humana e há mais mundo para além de nós, recordo o isolamento, nas maiores dificuldades, de Luís de Camões, naquele espaço de Macau, um bocado de deserto e talvez uma gruta, com a Índia tão longe e, talvez, compadecendo-se daqueles que, sobrevivendo com Vasco da Gama, se demoraram mais de quatro meses pelo Índico, numa viagem de regresso (Calcutá-Melinde) que, à ida (Melinde-Calcutá), demorou apenas 26 dias. 
Os que não sobreviveram ao escorbuto e à loucura, tiveram uma viagem mais curta. 
Mas não é a duração, nem o espaço da viagem que dá mais razão à esperança ou à ilusão. 
O ânimo não está tanto na perspectiva da continuidade quanto na da mudança para melhor. 
E outra não era a perspectiva de que estavam animados os navegadores, com Vasco da Gama, à cabeça.
Camões tinha a noção vívida de que a história do seu tempo, por não ser uma história de desgraças e de indivíduos sobreviventes, seria a melhor forma de os exaltar.

terça-feira, 14 de abril de 2020

Christine Lagarde, à quoi pensez-vous?

Christine Lagarde nem precisava de se interrogar de um ponto de vista ético e social, bastava que se interrogasse de um ponto de vista económico e financeiro, para não cair em armadilhas de palavras. 
Quem não aprendeu ou já esqueceu de ser precavido com as palavras, em cargos de responsabilidade como o dela, representa um grande perigo em matéria de ambiente ideológico, que anda mais poluído do que o outro. 
O mais preocupante é que ela não caiu em nenhuma armadilha de palavras, ela armadilhou as palavras. 
Quando era suposto que ela tivesse ideias, valores, humanidade, visão, encontrou/usou um expediente à Trump, para fazer parecer, em deploráveis segundos, que as ideias e os valores são mais fáceis de matar do que os velhos como se, para matar aqueles, bastassem algumas palavras na boca certa.

sábado, 11 de abril de 2020

A liberdade de construir a própria prisão

A forma como vivemos, pensamos, sentimos, sofremos ou nos alegramos é do mais bizarro que há, assim como o modo (deliberado, engenhoso e pedagógico) de investimento e de sacrifício e a forma (de ingénuo e ignorante sujeito) como aprendemos tanta coisa errada, quantas vezes, com muito trabalho e esforço, de que jamais conseguiremos desembaraçar-nos, ou desfazer-nos. Algo que faz lembrar a liberdade de construir a própria prisão, como desiderato ao alcance de uns poucos privilegiados que, no entanto, não vivem o suficiente para fecharem a porta...

segunda-feira, 6 de abril de 2020

Como deduzir a água?

O homem é o problema e não tem sido capaz de uma solução. A cada pergunta que é capaz de fazer (quando faz) pede respostas (quando pede) que não existem e que vai sendo capaz de construir (quando é) a partir daquilo que conhece (quando conhece) por experiência (quantas vezes enganosa, veja-se os movimentos da lua e do sol, tão semelhantes e tão indutores em erro), mas sempre fundamental (há realidades que não seríamos capazes de deduzir, por ex., se não conhecêssemos a água, mesmo que conhecêssemos o hidrogénio e o oxigénio, como deduzir a água?), por experimentação (experiência e experimentação são muito diferentes, há coisas que a experiência não permite conhecer mas a que se pode chegar por experimentação) e, sem dúvida, aquilo que conhecemos por exercícios de dedução e de indução, numa actividade permanente (e involuntária a maior parte do tempo) do nosso cérebro que, tal como o nosso coração e os nossos pulmões, não depende de nós, da nossa vontade...Ou seja, o "eu", que nos distingue uns dos outros, é uma espécie de "sistema de coordenadas" que, quando sente, ou quando se põe a sentir, sofre e não encontra sentido para o sofrimento...Se não exprimíssemos o pensamento, pareceríamos iguais e, se não exprimíssemos o sentimento, mais iguais ainda.
Em qualquer caso, os problemas são nossos, criados por nós.
Os problemas sobre a nossa identidade fazem todo o sentido, para nós, no âmbito cosmológico e metafísico.
Os problemas sobre a nossa vulnerabilidade são mais de âmbito biológico.
Todos partilhamos estes, mas nem todos partilham aqueles e, seguramente, poucos têm ou partilham as respostas e as soluções a uns e a outros.

quarta-feira, 1 de abril de 2020

Um homem sem fé e sem religião

Não acredito que Deus tenha comunicado com aqueles que disseram que "sim, subimos ao monte e ele falou connosco, porque somos especiais, mais ninguém tem esse privilégio..." e que, com base nisso, falaram e/ou escreveram em nome de Deus.
As religiões que tiveram um grande sucesso, com base nisso, são uma ousadia política que funcionou, apesar de tudo, mas isso é colateral ao facto de serem falsas.
Se acredito que existe Deus, sem saber o que isso seja, é no que está por detrás, oculto, que manobra, o relojoeiro que fez o relógio.
Mas não compreendo por que é que ele não diz nada e nunca se manifesta a favor de nada, ou contra nada.
E, assim, não acredito no Deus das religiões, não acredito que a palavra que dizem ser de Deus seja a palavra de Deus.
Deus não tem palavra. E não me venham com a Arca da Aliança.
Acredito num Deus que não conheço e que não comunica com a humanidade, mas que tem todo o poder e todo o saber, ignorando nós porque não os usa da forma que nós compreenderíamos.
É estranho, tão estranho, que não acho racional crer que exista.
Sou, assim, um homem sem fé e sem religião.

sábado, 28 de março de 2020

Aquilo em que as sociedades humanas apostam em transformar as pessoas.


Se me dessem a escolher (se me fosse dado ou me tivessem dado a escolher), se houvesse verdadeiras alternativas à cultura da civilização à força, da liberdade de modelo único de organização política e económica e religiosa (todas as religiões são iguais, todos os partidos são iguais, todas as escolas são iguais...) eu teria escolhido não ter nada disso, teria escolhido ser selvagem e é a dor e a tristeza irremediável de nunca o ter podido ser, de me terem roubado a liberdade, de me terem sequestrado e raptado para as teias e para as celas e para os relógios e para os grilhões dos guardas omnipresentes, completamente domado, como um burro, ou um escravo, que ainda é acusado de ser escravo de si mesmo, obrigado a assistir ao filme interminável do seu triste filme, como se a sobrevivência fosse uma epopeia gloriosa, não sua, mas dessa tal civilização à força, que preconiza a liberdade... é a dor e a tristeza de nunca ter podido ser selvagem, dizia, que me impede de acreditar naquilo em que as sociedades humanas apostam em transformar as pessoas.


segunda-feira, 23 de março de 2020

As equações e o sinal =

A discussão sobre o conhecimento e sobre a linguagem, sobre as humanidades, as artes, as expressões, as ciências...não pode ignorar a ciência feita sobre essa mesma discussão e que é uma vasta filosofia, no melhor sentido da palavra, considerando as duas vertentes privilegiadas de produção de conhecimento, a dedução, a partir do que se conhece e a indução, partindo de hipóteses...
As equações são um bom ponto de partida para pensarmos na consistência dos nossos conhecimentos, sejam eles mais matemáticos ou menos. 
No fundo, estamos constantemente a equacionar e a procurar resolver equações. 
Neste pormenor, o que me parece distinguir mais as ciências, o conhecimento científico, das outras modalidades de conhecimento, competências, respostas, comportamentos, é sobretudo o modo e a linguagem em que equacionam os problemas e o modo e a linguagem em que resolvem, quando resolvem, as equações.
Todos nós passamos os dias a equacionar e a resolver equações e deitamo-nos com as equações, acordamos com elas e não nos livramos delas. 
Quando resolvemos umas, logo emergem outras e isto tanto acontece na música, como nas línguas, como na pintura, na moral, ou na religião...
Na matemática, as equações, tanto quanto sei, são da ordem numérica, do mais, do menos, da multiplicação, da divisão, da proporção, da progressão, regressão, finito, infinito, etc., e o significado, muitas vezes, depende de algum atributo dos números, como, por exemplo, "3000 mortos", em que mortos é decisivo no significado.