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sexta-feira, 16 de agosto de 2024

A coisa e "a coisa em si"


O real é uma experiência

De outro mundo

Que faz perder o pé

Quando procuras saber

Como deve ser

O que é.


           Carlos Ricardo Soares

sábado, 10 de agosto de 2024

Leis de acontecer o que aconteceu


As coisas acontecem

Por elas próprias

O tempo passa

Enquanto tento perceber

Porque é que tudo o que faça

Se puder

Só pode alterar a forma

E não a matéria

De acontecer

E chamam a isso

Leis da natureza

Do ser

Mas não acho graça

Não deve ser assim

O nada

Impopular

Vazio do homem


                        Carlos Ricardo Soares

segunda-feira, 5 de agosto de 2024

Aproximações à verdade XXVIII


Hilário: sortudos são os que prescindem de mercado e de público, porque se contentam a si mesmos

Amiga: e há alguém assim?

Hilário: não sei, mas parece que concordas com a minha bem-aventurança

Amiga: estás a colocar uma questão dos diabos porque, se as pessoas se contentassem a si próprias, não se esforçavam tanto para ganhar os mercados e as aprovações dos outros

Hilário: o reconhecimento daquilo que se faz nem sempre acompanha o valor e o mérito daquilo que se faz

Amiga: tu passaste a vida inteira a preparar-te para fazeres o cristo nas argolas e, agora que deixaste as competições, de que é que te serve?

Hilário: eu ainda estou para perceber por que razão investi uma vida numa habilidade que só tem valor como espetáculo, se for bastante espetacular, caso contrário...

Amiga: nunca pensaste que estavas a desenvolver uma arte para teu próprio prazer e realização pessoal, como por exemplo, a poesia, ou a música?

Hilário: em momento algum pensei que passaria o resto da vida a divertir-me com as habilidades adquiridas na alta competição

Amiga: não é coisa que uma pessoa aprenda a fazer com o objetivo de se divertir e de ocupar os tempos livres

Hilário: ao menos, tu tiraste um curso e fizeste sempre tudo pelo prazer de satisfazer a tua curiosidade e de mostrares a ti mesma que eras capaz de algo importante

Amiga: deves estar a brincar, não?

Hilário: o mais importante é a satisfação e os frutos que podes colher daquilo a que te dedicas

Amiga: infelizmente, as pessoas falam muito nesse sentido, sem porem a tónica naquilo que fazem, se gostam ou não, se se sentem realizadas, se se sentem bem, para não dizer felizes.

Hilário: o que me faria feliz, não sei. O que me faz feliz é ter a possibilidade, em cada momento, de procurar e de obter satisfação para as necessidades e para aquilo que devo pensar e fazer

Amiga: também podes encontrar isso num emprego

Hilário: dadas as circunstâncias atuais, talvez tenhas razão. Mas depende muito mais do que são as minhas necessidades do que daquilo que posso fazer para as satisfazer

Amiga: seja como for, o problema de se contentar a si mesmo sem ser através dos outros, pelos outros, é algo enigmático e redutor e apresenta-se como hostil, mesmo que a intenção seja simplesmente prescindir dos outros, como se os aliviasses de um peso que, no fundo, tomas para ti, sem que te agradeçam.

                                  Carlos Ricardo Soares

domingo, 21 de julho de 2024

Aproximações à verdade XXVII


Amiga: já tens ideias para o que vais fazer este verão?

Hilário: um dia saberás

Amiga: eh lá, isso até parece o título de um romance

Hilário: quem sabe se já foi ou ainda será?!

Amiga: a única coisa que sempre quis e ainda não realizei

Hilário: um romance

Amiga: tu sabes: escrever um romance

Hilário: tens todas as condições para isso

Amiga: a imaginação não basta

Hilário: mas é necessária, ninguém escreve um romance do que lhe aconteceu

Amiga: é isso, comigo não acontece nada, mas imagino tantas coisas?!

Hilário: aproveita as férias

Amiga: ando com ideias para o meu romance “Um Verão a dois”

Hilário: mal posso esperar para ler

                    Carlos Ricardo Soares

sexta-feira, 12 de julho de 2024

Em nome próprio


Enquanto abanas a cabeça para significar sim, ou não, ou dizes, ou escreves, sim ou não, ordenas isto ou aquilo, porque podes dar ordens, apontas isto ou aquilo, descreves, ou declaras uma intenção, ou vontade, narras uma ação ou apresentas uma queixa, respondes a um teste sobre uma matéria, proferes uma lição, ou aula, ou pregas um sermão numa igreja, fazes um comício num partido, ou falas sobre as coisas, com todas as dificuldades inerentes à linguagem e à necessidade de te fazeres entender, já deves ter compreendido muitas vezes como é diferente e desafiador poderes dirigir-te ao público, sem ser em nome de um Deus, ou de um autor, ou de uma autoridade, manual ou enciclopédia, ou catecismo, escola, ou partido, movimento ou ideologia, como se os representasses dentro dos limites de um mandato, ou procuração, que devesses respeitar.
Certamente já pensaste no que poderá ser diferente disso, e nas implicações possíveis, de pensares e manifestares-te em nome próprio, nem que seja uma vez na vida.
Eu senti a necessidade de me posicionar e de me manifestar, em nome próprio, desde que comecei a escrever poemas e textos reflexivos.
E esta necessidade foi sendo mais acentuada quanto mais, por razões académicas e profissionais, me sentia vinculado ao dever de representar os autores e as disciplinas, interpretar as normas e os códigos, procurando, tanto quanto possível, não trair a letra e o espírito do seu pensamento.
Mas, chegado o momento de falar em nome próprio, em boa verdade, de que é que se pode falar e o que se pode dizer, propriamente dito?

Carlos Ricardo Soares

quinta-feira, 4 de julho de 2024

Aproximações à verdade XXVI


Hilário: qualquer pessoa sabe muito mais do que sabe que sabe

Amiga: muito mais e para além

Hilário: mas vale a pena dedicar atenção e pensar acerca do assunto

Amiga: isso é metacognição e é essencial na aprendizagem

Hilário: saber mais do que sabemos que sabemos é apenas um efeito de não ser possível monitorizar completamente a nossa memória, seus repertórios e processos de pensamento

Amiga: uma grande preocupação com a metacognição pode sobrecarregar a memória com problemas meramente teóricos e intelectuais

Hilário: em casos extremos pode ser paralizante, se tentares monitorizar comportamentos reflexos ou de rotina

Amiga: se sempre que deres um passo quiseres ter o controlo de tudo o que está a acontecer e, ao mesmo tempo, quiseres ter o controlo do que estás a perder por não pensares noutras coisas, etc, o melhor é “delegares” certas tarefas a esses operadores automatizados

Hilário: não conseguiríamos fazer o que fazemos se muitas das tarefas não fossem resolvidas por hábito, sem termos que pensar

Amiga: por hábito, por instinto, por natureza

Hilário: mas muitos dos nossos hábitos começaram por ser atos pensados que fomos repetindo até termos a sensação de que fazemos as coisas sem termos de pensar nelas

Amiga: o homem é um animal de hábitos

Hilário: se fossemos capazes de reforçar positivamente apenas bons hábitos e de reforçar negativamente os maus, a vida seria mais fácil

Amiga: isso permitir-te-ia a proeza de seres feliz sem pensares que o eras, sem teres a noção

Hilário: não sei se gostaria de me habituar a não ter que pensar

Amiga: eu fui-me habituando a pensar cada vez mais em tudo.

                 Carlos Ricardo Soares 

quinta-feira, 27 de junho de 2024

Sobre a anatomia do pensamento

Sabemos o que é a lógica? Existe lógica sem uma linguagem? 

Não confundamos racionalidade, consciência e lógica. Esta é um fenómeno linguístico, a racionalidade não. 

Quanto ao pensamento, ele começa por se estruturar na consciência e na racionalidade, mas só se torna um problema de lógica com a linguagem. 

Esta é a minha tese sobre a anatomia do pensamento.

             Carlos Ricardo Soares

terça-feira, 18 de junho de 2024

Linhas de orientação


Linhas de orientação

Na linha do que disseste

Não são linhas ténues

À volta da fogueira

Ou dos vigilantes do museu

Que ninguém conhece

Porque não há intérpretes

Privilegiados

Que se aproximem o necessário

E o suficiente

Do que não foi feito para eles

Cada vez mais sós

Os que estão sós

Os que não têm ninguém

Que os defina

Por não estarem ligados

A nenhuma mágoa encantadora

A alguém

Que os mata

De um mundo morto

Ou agonizante

Aparte póstumo

Testemunho que sobra

Sem remédio

Porque nada diz

E nada retira ao que disse

Que nunca se perdeu

Nas distrações felizes

Do acaso

Num teatro humano

E tempo desumano

De caça ociosa

Como modo subtil de vida

E de liberdade

Como se aí estivesse a razão

E o ser absorvido na difusão

Dos lugares e das obras

Presenças e fugas

Preponderantes

Da posse da própria vida

Afeições de versos e deriva

Destino abandonado ao jogo

Que o destino é de aparências

Inquietações de poeta

Impressões de vagabundo

Que separa junta e aproxima

Eroticamente

Aberturas de fuga ilusória

E de gozo

Entre objetos e sentidos simultâneos

Quando a melodia e o baile

Bem poderiam ser reais

Se a morte não fosse mais

Do que a mortalidade

Uma obscuridade

Embrulhada em suspiros

Impossíveis desabafos

Chamar liberdade ou amor

À perdição

Poemas sem juízo

Rosas em silêncio no tumulto

Dos lábios

Dedos sobre as cordas

De um instrumento de feições

De alegria de fantasmas

Louca e fugaz como a fala

Que contrabandeia literatura

Como forma de prazer

Sem compromisso

E sem mais intimidade

Que a decisiva

Como se houvesse lugares

Essenciais

Por serem interditos

Nada é mais belo

Do que escapar

Aos significados de uma vida

Sem paz

De densidades insolventes

De pedras que crescem

Como se os cristais uivassem

Quem somos

Ou dores enraizassem mais fundo

Que o sentimento de resgate

De nós

Não apenas sós

Os que estando sós

Não são ninguém

Como nós.

                          Carlos Ricardo Soares