quarta-feira, 16 de agosto de 2023
sábado, 12 de agosto de 2023
Matérias não despiciendas
Agradeço os comentários amistosos e não vou entrar em considerações sobre o que devem ser os comentários, as críticas, as análises de qualquer pendor, artístico, ideológico, ou outro.
Não é que sejam matérias despiciendas, bem pelo contrário, mas, nestes contextos não regulados e não censurados, que já frequento há uns anos com muita curiosidade, sem devoção e sem alaridos, prefiro não (perder tempo a) doutrinar ninguém, nem a contradizer os fanáticos das religiões, nem a discutir com pessoas que falam ex cathedra, e só respondo a anónimos, se e quando isso me interessa, ainda que seja por um motivo perverso.
Aliás, nem quero saber se o que escrevem corresponde ou não ao que pensam.
Reservo para mim o direito de decidir o que fazer, quer no momento em que escrevo, quer no momento em que deixo de escrever.
O meu problema, que é, de resto, o único verdadeiro problema de qualquer ser humano, mais ou menos consciente disso, não é, ou não está, na minha reserva absoluta de escolher o que fazer, com o qual vou convivendo e trabalhando e lutando como dita a natureza, dentro das possibilidades e das responsabilidades, mas é o problema das escolhas dos outros.
Quanto àquilo que posso escolher, mais ou menos bem, escolho e exerço o meu poder e direito, tenho muita margem para me queixar justamente e posso lutar contra os obstáculos, sem causar dano, nem ofender ninguém. Essa é uma luta que devemos encorajar todo o ser vivo a travar, e não apenas os humanos.
Quanto àquilo que não é escolha minha, mas são escolhas dos outros, aí está o verdadeiro e inultrapassável, (que pode ser angustiante e absoluto) problema.
Nem mesmo a mais rígida autodisciplina de desprezo e de ignorância, para não dizer de ódio, das escolhas dos outros, me coloca a salvo dessa sujeição que, para algumas pessoas, em determinadas condições, pode ser insuportável.
O problema não são as escolhas individuais, pessoais, não são as minhas escolhas, ao contrário do que diria, por ex., Sartre, embora Sartre jogasse por vezes nos dois campos, o individual e o social, estou a lembrar-me de “o inferno são os outros”.
O problema, dizia eu, são as escolhas dos outros, sobretudo quando essas escolhas me envolvem, ou não, como eu gostaria. Ou seja, as escolhas dos outros determinam as condições em que posso fazer as minhas.
Eu sei que tudo se decide entre o “posso fazer alguma coisa contra isso” e o “não posso fazer nada contra isso” mas, ainda assim, na dúvida ou na certeza, o que persiste é a impotência e essa nós nunca vamos admitir.
Quanto aos comentários serenos, bem educados, inteligentes e oportunos, sem preconceitos de qualquer ideologia, confesso que, em última análise, não existem, nem são desejáveis.
A vida ensinou-me que, quanto mais educado sou, mais perigoso fico.
A serenidade e a boa educação e a oportunidade e a inteligência são preços elevadíssimos que é legítimo cobrar, tanto mais quanto mais tenham sido, ou sejam, para nós difíceis de pagar.
Carlos Ricardo Soares
quarta-feira, 2 de agosto de 2023
Direito, direitos, guerra
Em última análise, é a relação não danosa, a boa relação, com o outro, que define o direito. Se a relação com o outro for danosa, é sempre o outro que ela destrói e o direito, não o direito do outro, mas o direito do agressor. O agredido continua a ter os direitos que tinha antes da agressão e passa a ter, por via dessa agressão, direitos que não tinha antes, ao mesmo tempo que deixa de ter deveres que antes tinha.
Carlos Ricardo Soares
quinta-feira, 27 de julho de 2023
Jogo limpo
Falar em verdade fará sentido enquanto for verdade que estamos muito longe de assistir e de participar num jogo limpo. É trivial que as pessoas sejam convidadas e aliciadas, ou induzidas, a participar num jogo que, à partida, elas próprias já sabem que não é limpo.
E até ninguém já coloca a exigência “sublime” de as regras do jogo serem justas, porque isso talvez fosse pedir demasiado. Bastava, para começar, que a verdade “desportiva” triunfasse.
quarta-feira, 19 de julho de 2023
Dos maus os menos
Este texto foi a minha resposta a um comentário que pretendia fazer humor com a filosofia ubuntu, a redenção da humanidade e as bombas matarem apenas os maus.
No primeiro caso temos o sentido da solidariedade e do reconhecimento do tu em nós próprios. No segundo, uma incapacidade cultural, uma mentalidade preconceituosa erigida sobre pretensiosismos de superioridade.
Temos que nos precaver contra a tentação de decidirmos que os bons são os amigos e os maus são os inimigos, ainda que uma larga maioria não seja uma coisa nem outra. Por esse critério, no dia em que as bombas inteligentes souberem matar apenas os maus, talvez não sobreviva ninguém.
A religião cristã baseou-se na doutrina de que só a morte pode libertar e na crença de que, quem desfaz as cadeias, é o redentor. Sejam as que prendem pés, as que agrilhoam a cabeça, sejam outras, por exemplo, obsessões perigosas, paixões que escravizam, situações de miséria, determinados códigos de honra.
Também já ouvi expressões saídas do léxico da bruxaria, como “estar amarrado”, “ser vítima de mau olhado”, “excomungado”, “possesso”, “enjeitado”, “touro sem marca que não se sabe a que manada pertence”, “ovelha tresmalhada é presa fácil do lobo”, entre imensas outras que, em variadas situações, ajudam a interpretar e a verbalizar problemas individuais e sociais, de integração, de pertença, dignidade e respeito e de igualdade, ou a sua falta.
Interrogo-me sobre se, na prática social das comunidades em que eram usadas, as referidas alegorias, não tinham como finalidade estigmatizar e diminuir e fulminar, com o fito de se aproveitarem da situação de fragilidade e de medo em que elas próprias colocavam a vítima.
Quanto à redenção, ela tem a ver com uma libertação humanamente impossível, não com a libertação da escravatura, que ocorria por vezes e era intensamente desejada, num mundo em que o mercado de escravos também podia ser uma oportunidade para o escravo, se fosse vendido e a troca de amo, de senhor, fosse vantajosa. Neste mundo, a libertação reduzia-se praticamente a ser comprado por um amo a outro.
Para os cristãos, estava claro e assumido que não havia esperança de liberdade, nem de paz, nem de justiça, em vida. Não podiam ser mais realistas e mais pessimistas. Sem este realismo e este pessimismo seria mais difícil fazer o cimento da crença na redenção divina.
Eu não sou tão pessimista e o meu realismo, que me dá esperança, é que o homem, que foi capaz de criar Deus, também há-de ser capaz de fazer justiça divina.
segunda-feira, 17 de julho de 2023
A esperança de acabar com as guerras
Se houvesse uma sociologia das guerras que estudasse as guerras desde os primevos, aprenderíamos muito sobre a função reguladora da violência e, mais conscientes dessa realidade biológica, social, cultural, histórica, mas mais ainda sobre a cultura da guerra, que tem sido, em minha modesta opinião, o círculo vicioso, para não dizer espiral que se escala a si própria, numa lógica de exercício de poder e de defesa desse poder, sempre que encontra obstáculos, ameaças ou ataques, em melhores condições estaríamos para evitá-las, ou impedi-las, ou minimizar os seus efeitos.
Nessa sociologia talvez se descortinassem, em todas as guerras, padrões que ajudariam a compreender o fenómeno da guerra, como violência humana, uso da força para atingir fins e objectivos ilegítimos, ilegais, injustos e desumanos, independentemente dos pretextos invocados para desencadeá-las. Talvez se tornasse mais claro que uma guerra não é como o amor que, quando começa, nunca ameaça ter consequências e que, apesar disso, quem inicia uma guerra tem um plano optimista, não em relação à guerra, nem em relação à resolução de um diferendo, mas em relação a alguns objectivos, mais ou menos confessados, entre os quais um objectivo territorial, de supremacia, ou punitivo, perpetrado por uma força, ou uma potência que se coloca, ou que está, ou pensa que está, em posição de superioridade bélica, em condições de tirar vantagem, ou de, pelo menos, não sair esmagada do desastre da derrota.
As sociedades humanas politicamente organizadas em estruturas militares, nas quais assentam o seu poder de facto, ainda não encontraram outra forma de se estruturarem e não estão preparadas para aceitarem outro tipo de solução dos problemas conflituosos que não seja pela força, pela coerção e pela coacção, mesmo nas litigâncias judiciais internas, das mais simples às mais complexas, em que se não prescinde de contingentes policiais para assegurar a ordem e a segurança e realizar, executar as sentenças.
Assim sendo, numa primeira fase, a nossa esperança reside no poder de estabelecer uma regulamentação do uso da força, nomeadamente militar, nas relações entre Estados e na judicialização adequada da guerra através de instrumentos de direito internacional, da institucionalização de estruturas internacionais preventivas e, tanto quanto possível, num efectivo controlo, por uma estrutura política internacional credível, de certo tipo de armamento cuja finalidade seja ameaçar e eventualmente destruir massivamente.
Esta solução que, com algumas diferenças de escala, é considerada satisfatória para as situações estaduais internas, talvez pudesse ser adoptada pelos Estados, na ONU, pelo menos pelos que o quisessem e a subscrevessem, sem prejuízo de estes fazerem valer a sua posição perante aqueles que não aderissem.
Embora esta solução não estivesse ainda completamente a salvo de guerras, já apresentaria consideráveis avanços relativamente à situação atual.
sábado, 15 de julho de 2023
Valores e compensações
Ter a percepção de que, em todas as áreas, a actividade discursiva paira sobre a actividade concreta, material, executiva, transformadora e que só há mudança de algo quando intervem uma força, é algo que afecta a crença nos ordenamentos normativos e diminui a credibilidade nas instituições.
A percepção de que tudo parece resolver-se ao nível do discurso e da argumentação, no plano dos princípios e das boas regras, mas de que tudo continua a passar ao lado das boas intenções e das belas frases, a começar pelos princípios democráticos e a acabar no quem decide o que é o quê, é uma experiência que acompanha cada vez mais o consumidor de comunicação social.
A começar pelo tão apregoado pensamento crítico, que devia ser sempre, em primeiro lugar, exercido sobre o próprio, a grande dificuldade em promovê-lo e em praticá-lo está na complicação que é pensar criteriosamente, mas não menos no pouco interesse que parece existir em exercê-lo sobre si próprio.
Na política, na justiça, na ordem, no ensino, na saúde, enfim, em todas as áreas, as coisas só acontecem no terreno, quando passam da palavra, ou do papel, para a acção transformadora. A lei, quando é aplicada, a sentença, quando é cumprida ou executada, a ordem quando é cumprida, etc..
Podemos passar uma vida a descrever e explicar o modo como as coisas funcionam, mas quando chega o momento de explicar como deviam funcionar, ou não é possível alterar a ordem das coisas, por ser da sua natureza, e não faz sentido sequer pensar em mudar, ou, se é possível, é preciso quem as saiba fazer, quem queira fazê-las e quem as faça.
Uma das constatações mais intrigantes e curiosas é sobre o que se passa com a filosofia, em que se pode ter opiniões diferentes sobre a realidade, argumentar em vários sentidos, criar sistemas racionais, e nada disso alterar o facto de a realidade poder ser diferente disso e de não ser por isso que deixa de ser o que é.
As coisas serem como são e não como poderiam ou deveriam ter sido é algo de perturbador e frustrante, embora isso também tenha, em muitas situações, aspectos tranquilizadores que nos subtraem responsabilidades.
E, depois, há valores que só são reclamados dos outros, o que passa por ser um princípio dissonante e irracional, no sentido de ser contrário à razão, mas invocar esses valores pode facilitar a perspectiva que mais convém em cada situação.
Estou a pensar na independência como uma qualidade pessoal, ou na honestidade como uma virtude da maior respeitabilidade, para as quais não há recompensa, ao contrário da subserviência e da obediência, que chegam a ser principescamente compensadas.
sábado, 8 de julho de 2023
O castelo de Guimarães
Sempre que visito Guimarães, só penso no castelo.
E já me especializei nas artes de defesa e de ataque.
Para mim, Guimarães não é nem pode ser outra coisa, pelo menos enquanto não perceberem aquilo que eu acho que é importante.
Mas ainda não consegui perceber se as pessoas que iam comigo, e que eu procurava impressionar com a minha veia metapsíquica, estavam realmente a admirar a minha inteligência, não de um guia bem informado, mas de alguém que sabia para além das razões da concepção daquela fortificação. Do género: não estou a contar-lhes a história do castelo, estou a contar-lhes a verdade do castelo que, na realidade, se passou pela cabeça de alguém, foi a minha. Ninguém me contou a história do castelo e a história do castelo que li, tinha pouca história do castelo. Mas vi o que vós estais a ver e desafio-vos a explicar por que é que este castelo era inexpugnável. Não se trata de um enigma, é algo que se descobre simplesmente olhando, mas não seríamos capazes de saber simplesmente pensando.