sábado, 18 de junho de 2022
Poesia dos aranhões
segunda-feira, 13 de junho de 2022
A felicidade
A felicidade. O que se entende por felicidade? Bem-estar, satisfação?
O conceito de felicidade tende a ser referido a situações objectivas que, raramente, ou
nunca, serão atingidas e, se o forem logo confirmam que a felicidade não é intrínseca a situações particulares da fortuna e do mundo, como se não houvesse situações
susceptíveis de dar felicidade, porque esta não existe fora do indivíduo. O que me torna feliz, provavelmente, não tornaria felizes os outros e, hipoteticamente, até poderia torná-los
infelizes. Por outro lado, a minha felicidade não está livre de, mais tarde, ser fonte de infelicidade.
O conceito de felicidade, todavia, e por ser assim tão subjectivamente condicionado e determinado, é de inestimável utilidade para tentarmos compreender a natureza humana e encontrar em tudo o que é acto humano esse sentido da felicidade.
A tese que defendo é que tudo o que é acto humano é racional e implica uma escolha que é a melhor (todo o acto é individual). Do que sei sobre o ser biológico do homem, nomeadamente dos processos homeostáticos, não só a racionalidade é um determinismo, como a escolha é inelutável, um imperativo, diria, natural. A felicidade é o critério. Não há outro. É um fim em si mesma. Não é instrumental. Instrumental é tudo o que for susceptível de realizar a melhor escolha.
A cultura humana é determinada, em todos os seus aspectos, por um princípio que eu designo, num trabalho que tenho elaborado
sobre Ser Humano, por princípio da felicidade, como princípio normativo de todos os outros princípios.
A minha argumentação vai no sentido de que a cultura é a manifestação
de um dever-ser que é um ter-de-ser (da natureza). A inversa não é verdadeira, quero dizer, o ter-de-ser da natureza não é manifestação de um dever-ser, excepto no caso da cultura.
Qualquer
texto serve para tentarmos sustentar a tese que defendo. Qualquer situação humana também.
A esperança está no reconhecimento social e institucional dos mecanismos biológicos egoísticos (da felicidade) e na gestão e disponibilização de quadros de possibilidades de escolha que não impliquem que a melhor escolha não seja boa.
domingo, 5 de junho de 2022
Liberalismo utópico
As ideias de democratizar a sociedade, democratizar a escola, democratizar a cultura, democratizar a boa vida, democratizar a felicidade, aparecem frequentemente associadas, e não da
forma mais correta, à ideia de que a sociedade, a escola, enfim, tudo, deve seguir um modelo liberal, muito liberal, muito individualista e funcionar sem paternalismos, baseado na autonomia do indivíduo e na
utopia da liberdade total.
Associar a ideia de democracia a esta utopia de liberdade é um grande passo para ignorar o sentido e confundir ambas. Democratizar só faz sentido se significar tornar democrático,
e tornar ou ser democrático está muito longe daquela utopia liberal.
Aliás, aquela utopia liberal choca de modo irreconciliável com a democracia e os modos democráticos de gestão
e resolução de conflitos e de problemas sociopolíticos e institucionais.
Se quiséssemos ser antipáticos, sem deixarmos de ser democráticos, diríamos que, mais frequentemente
do que gostaríamos, constatamos a total incapacidade das escolas para promover aprendizagens que despertem e fomentem o espírito crítico e a hermenêutica. Isto é visto como algo estratosférico,
para não dizer exosférico.
Os elevados níveis de especialização requeridos por cada área de análise crítica e fundamentada vão sendo atingidos por um reduzido
número de especialistas que só se entendem uns aos outros e, às vezes, só a si mesmos.
Ora, a maioria das pessoas não aspira a uma vida de solilóquios ou de intermináveis
discussões consigo mesmo embora possa estar a falar para as paredes, que até têm ouvidos.
Carlos Ricardo Soares
quinta-feira, 2 de junho de 2022
Prisioneiros
Pedaços bocados
Fragmentos despojados
Retiros passados
Passos trocados
Regressos impossíveis
Veredas desconhecidas
Sendas armadilhadas
Traçados dos diabos
Remotos
Nomes de descobertas
Induzidas por pioneiros mágicos
Alucinados pela esperança
Dissoluta
Mais do que pela jazida sabedoria
Nómadas destroçados
Sem quartel
De alegrias poucas
E das loucas
Degradações
Sementes de violência
Desfazem-se
Desfazem-nos
Desfazem-te
Desfazem.
sábado, 21 de maio de 2022
Estradas de metafísica
Ao fim de umas horas a pedalar
Por estradas de metafísica
Com matilhas de cães às costas
Olhei para trás e já não conseguia lembrar
Nenhum dos problemas de dogmática ético-jurídica
Com que muitos reis não se depararam
Por possuírem grandes castelos
Como se acabasse de me reencontrar
A caminho do sol e da liberdade
E em vez de pensar no xadrez dos anjos
Que me não dava fome
Nem de comer
Nem sombra
Onde viver liricamente
Como sempre sonhei
Uma primitiva sensação
De estomacal entendimento do mundo
De todos os pensamentos confluírem
Numa harmonia marítima libidinosa
Abocanhando pedaços de lagosta frita
Adornados de algas profanas
À vista de especiosos vinhos
Em horizonte de searas saudosas
Açorda alentejana
Fumegando desejos de planície
Inimagináveis
Em alto mar
Como tudo o que o vento levou.
sábado, 14 de maio de 2022
Salvar o mundo
Pensavam que era lixo
E varreram tudo
Mas eram letras dispostas de uma certa forma
Que poderia salvar o mundo
Porque a forma pode ser importante
domingo, 8 de maio de 2022
Neutrões
Os neutrões não escapam
À carga eléctrica
E acabam fardados
A mirarem-se ao espelho
Dos protões
Tão sossegados finalmente
Por se sentirem realizados
Por satisfazerem os requisitos
Por não pertencerem a si próprios
Senão nessa alienação
De serem convertidos.
quinta-feira, 28 de abril de 2022
A memória que amamos
Como dizer o que não sabemos
Pensar o que ignoramos
Contar o que não passamos
Sem ser em romance
Do que guardamos
Que sendo saga nossa
Ou não sendo a nossa
Gostávamos que fosse
Porque nenhuma paisagem substitui
A memória que amamos
Dos sonhos
Do que acreditávamos ser
Maior que o mar
E mais belo do que se pode contar
Nos roteiros da história dos outros
Na saudade de algum momento
Do que é possível desejar
Nos mapas
Outrora para nós legíveis
E agora cada vez mais desbotados
Embora muito mais inteligíveis.