A ciência não é apenas uma maquinaria de previsão do futuro a partir do
presente, mas também pode ser de adivinhação do passado, ou retrovisão. Ou
seja, não apenas permite antever os efeitos a partir das causas, como
determinar estas a partir dos efeitos.
Há, porém, um problema sério que não ganhamos nada em ignorar: tudo o que
aconteceu não podia ter acontecido de outro modo. Quando buscamos causas é
sempre do que acontece e nunca do que poderia, ou poderá, acontecer. Não há
causas do que não acontece.
O determinismo, neste aspecto da questão, é irrefutável, ainda que não sejamos
capazes de explicar todas as causas de um facto.
Aproveito para
introduzir aqui o problema do livre-arbítrio, que é fascinante.
Se tudo o que acontece é determinado por causas e se não conhecemos nada que
não tenha acontecido, onde é que vamos situar o livre-arbítrio?
Já li bastantes coisas à volta do assunto, umas mais confusas do que outras,
mas ainda não vi ninguém a colocar a questão desta forma.
segunda-feira, 7 de junho de 2021
Não conhecemos nada que não tenha acontecido
quarta-feira, 2 de junho de 2021
Os professores
A propósito de um texto publicado no blogue, http://dererummundi.blogspot.com/2021/05/acordai-professores-que-dormis.html , comentei o seguinte.
Os professores não precisam de acordar, precisam de descansar e de dormir, mas não os deixam.
Não precisam de mais alertas, porque já estão em alerta permanente há demasiado tempo.
Os professores, mesmo quando não há guerras declaradas com espingardas e
granadas, ou incêndios e sirenes, assumem o papel de militares, num
enquadramento de combate e luta, sem quartel, em todas as torres de vigia e
guaritas, que se possam imaginar, com carregadores de balas de pólvora seca,
autênticos placebos, que escrupulosamente tomam como princípios activos contra
inimigos muito mais poderosos do que eles que, de dia e de noite, a todo o
momento, lhes infligem derrotas e que são os mesmos que lhes fornecem os
placebos e a pólvora seca e lhes dão instrução rigorosa de como a usarem, ao
toque do clarim, ou da caixa, e que aparecem, estrategicamente, nas horas
mortas, para os atormentarem com a prova de os apanharem a dormir.
Os que se fazem fortes, porque o são, ou acreditam nisso, e decidem ir à
luta, como os touros, ou os guerreiros, por valentia e grandeza de carácter,
como manda o hino, só acordam se tiverem a sorte de ir parar a algum hospital
que os reanime.
Ninguém aguenta muito tempo uma guerra interminável e sabotada.
O essencial não é lutar, é identificar os inimigos, ou os adversários, avaliar o seu poder de fogo e adoptar estratégias de ataque e de defesa.
Mas os
professores não recebem preparação para isso.
segunda-feira, 31 de maio de 2021
Livre-arbítrio
Hilário: responde-me sem evasivas
Amiga: não sou de evasivas
Hilário: perguntei-te alguma coisa?
Amiga: agora perguntaste se me tinhas perguntado
Hilário: o livre-arbítrio não existe?
Amiga: se as nossas acções e decisões são efeito de partículas que
atravessam o corpo e o cérebro de acordo com as leis da física, que achas?
Hilário: aparentemente são essas partículas que agem e decidem e não nós
Amiga: eu e tu e o universo somos partículas em movimento
Hilário: e as nossas palavras também
Amiga: e os pensamentos e a memória
Hilário: até a anti-matéria e o conhecimento da matéria
Amiga: se calhar o livre-arbítrio só existe para algumas coisas
Hilário: não somos livres de dar verdade a uma falsidade
Amiga: nem és livre de fazer com que esta conversa nunca tenha existido
Hilário: mas foste livre de dizer essas palavras em vez de outras
Amiga: como poderíamos prová-lo?
Hilário: em qualquer caso, lá estariam as partículas a reivindicar que
tinham sido elas
Amiga: ninguém nos pode culpar de nada
Hilário: ou seja, as partículas é que têm a culpa
Amiga: têm tudo, a culpa e a inocência
Hilário: só não têm livre-arbítrio
Amiga: e nós só temos partículas
quinta-feira, 27 de maio de 2021
O controlo das mentes é possível?
quarta-feira, 19 de maio de 2021
Cultura do amesquinhamento alheio
A minha percepção de português, nado e criado, e educado em Portugal, e exercendo nos tribunais e nas melhores escolas do país, é que a cultura portuguesa, seja o lado ou a perspectiva pela qual queiramos vê-la, é a cultura do amesquinhamento alheio. E quando assume tons de compadecimento e de solidariedade é porque já se foi vítima e se percebe o problema.
Mas tem sido prática assumida e aceite, desde que me lembro (hoje está muito melhor), e até valorizada, a cultura de chacota e atrofiamento, sempre para penalizar e desvalorizar, até nas agressões escolares institucionalizadas como castigos pelos erros, bem patente na literatura portuguesa, no linguajar português, nos apelidos e alcunhas dos portugueses, etc.. E, se formos aos conselhos de turma, embora nas actas se evite quase sempre cair nesse erro, a adjectivação usada para qualificar e classificar alunos não está isenta de críticas, para ser brando.
Um adjectivo, em determinados contextos, pode deixar de ser neutro e até passar a ser um problema de ética, quando não jurídico. Sinceramente, penso que só há um caminho a seguir para se sair desta choldraboldra: legislação e práticas educativas que eduquem para a não resignação a uma realidade "violenta" cujas raízes não é difícil de localizar na história.
Ainda há quem acredite e agite a bandeira da meritocracia, ou seja, da aristocracia.
Temos de ter em mente o iluminismo e o marxismo para percebermos
quanto ainda precisamos de reconhecer face humana e direitos do homem num mundo
que faz tudo, desde sempre, exceptuando os que têm lutado contra isso, para
triturar o homem, e desvalorizá-lo, para o mercadejar ao melhor preço.
quinta-feira, 13 de maio de 2021
Língua prodigiosa
De vez em quando, e ultimamente cada vez mais, entre afazeres e actividades, dou comigo a tomar sentido, pela primeira vez, em que a minha língua me fala mais a mim, desde criança, do que eu a ela, e só muito tarde comecei a reparar quão carregada de cultura, de significados e de sentidos, a minha fala e escrita e leitura andavam e como me sabe bem dizê-lo agora.
Passei a perceber que a língua, só por si, nos dá a filosofia e a ciência, até das perguntas e das respostas nunca antes feitas.
Comecei a ver, numa acepção muito especial de sentir, que, além dos sentidos do sistema sensorial, visão, audição, sensações corporais, paladar, olfacto, temos outros sentidos mais internos, que trabalham no silêncio e no escuro, com que sentimos dores, alegrias, entusiasmos e tristezas, paixão, saudade, amor e ódio, etc., e passamos a vida a dar sentido, aos sentimentos, ao que sentimos e ao que pensamos, porque pensamos o que sentimos, mas também sentimos, muitas vezes o que pensamos.
E quando me ponho a pensar e a falar das minhas descobertas, e sentir em todos os sentidos é uma delas, é com a sensação, senão com a certeza, de que quando se fala ou escreve sobre algo, já estava tudo na língua.
quarta-feira, 12 de maio de 2021
Aproximações à verdade
Hilário: talvez não haja muitas
coisas que eu e tu não compreendamos
Amiga: se for assim, poucas
coisas haverá que não tenham explicação
Hilário: tudo tem uma razão de
ser
Amiga: ou melhor, para tudo temos
uma razão de ser
Hilário: excepto o que falta
explicar
Amiga: os crimes, as guerras, o
holocausto, os deuses, as religiões, a corrupção, as desigualdades…
Hilário: têm uma explicação, são
racionais
Amiga: os actos humanos são
racionais
Hilário: o amor, a teoria da
relatividade, a música, a alegria, a crítica da razão…
Amiga: racional é tudo o que os
humanos fazem voluntariamente
Hilário: o nosso problema é que muito do que fazem é inaceitável e incorrecto
Amiga: concordo, olhando para a
história e para o que acontece à nossa volta.
segunda-feira, 10 de maio de 2021
De desilusão em desilusão
Hilário: sinto-me desiludido
Amiga: dizes isso como se tivesses ganho o euromilhões
Hilário: de cada vez que me desiludo, sinto alegria
Amiga: de cada vez que me desiludo, sinto que fui burra e fico triste
Hilário: quando descobres que estavas errada só tens motivos para ficar
contente
Amiga: deve ser por isso que estás sempre feliz
Hilário: e achas que estou errado?
Amiga: para te sentires feliz é porque descobriste que andavas iludido
Hilário: e já não ando?
Amiga: quando descobrires que a ilusão é como o trabalho, que não acaba,
ainda vais ficar mais desiludido e mais contente
Hilário: o meu objectivo é viver de desilusão em desilusão, até alcançar
a verdade
Amiga: mas acreditas que conseguirás atingir a desilusão total?
Hilário: aí sim, terei alcançado a verdade
Amiga: queres maior ilusão do que essa? Gostas mesmo de viver iludido