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terça-feira, 23 de março de 2021

Ouvir o coração

Se reparares as casas

Não são um amontoado

Nas ruas

A luz e as sombras andam

De mãos dadas

Na praça

A domadora de gaivotas vadias

E o maestro de gritos

Fundem-se num abraço H2O

No chafariz

De momentos perfeitos

As cores fecundam

Os olhos da Pureza

Da cervejaria icebergue

Que serve canecas de maresia

À sede insaciável de saber

Se o vinho é mais puro do que a cerveja

E ela

Com deleite não fermentado

Diz tem graus

E eu a ver degraus

Sem palavras

Com o coração a bater.

 

sábado, 20 de março de 2021

Ainda tento explicar a beleza


Ainda tento explicar a tua beleza

E o cheiro de chuva

Que parou depois

De me encostar a ti

Como ser a árvore

Para construires os teus barcos

Sem que as aves desamorem

A tua respiração

No meu queixo

Enquanto fechava os olhos

Para desenhar janelas

Na nossa roupa

Com as mãos

No agasalho do teu corpo

Confirmava

Que não eras fantasia.


sexta-feira, 19 de março de 2021

Crentes e ateus

Há ateus que não permitem que serem ateus os incompatibilize com os crentes. Por exemplo, que sentido faria humilharmos a nossa mãe porque se sente feliz a rezar o terço pela nossa saúde? Ou pela paz do mundo? Ou pelo perdão dos pecados? Ou pela superação da nossa ignorância?

Os ateus não têm respostas, ou, pelo menos, melhores respostas do que os crentes para as questões a que aqueles respondem com a fé.

Os crentes colocam Deus no ponto de partida e os ateus não o colocam, em ponto nenhum, nem no ponto de chegada. Mas estão todos perante o desconhecido. Desconhecido, nesta matéria, significa mesmo que ninguém sabe, se bem que os crentes afirmem um tipo de conhecimento metafórico, adjectivo e analógico.

Não é como alguém dizer que não conhece a Condessa de Ségur, confessando a sua ignorância.

O problema dos crentes é que os ateus não têm razões para crer no que eles acreditam e não são capazes de lhas darem. Mas os ateus têm razões, muitas, aliás, para crerem que os crentes são pessoas de boa fé.

O problema dos ateus, no entanto, é que há falsos crentes e esses não são pessoas de boa fé.

Os crentes, por sua vez, têm muitas razões para crerem que os ateus não se dizem ateus só para os importunarem e porem à prova a sua fé, ou seja, os crentes têm razões para pensarem que os ateus o são de boa fé.

Agora, a questão é a seguinte: faz sentido que haja um ateu de má fé?


sábado, 13 de março de 2021

Bitolas, o papa e o sacristão

Novo ou velho não é nenhum certificado de valor, ou mérito, ou garantia de ser melhor, é apenas de ordem cronológica. Nem sequer é, penso eu, de ordem biológica. Os nossos esquemas mentais de classificação e ordenamento de tudo, seja no espaço, seja no tempo, seja na balança, seja na lógica, seja na causa, seja no efeito, seja na dor, seja no prazer, seja na memória, seja no esquecimento, seja no ganho, seja na perda, seja na verdade, seja na mentira, na fraqueza ou na virtude, no menos e no mais, no pequeno, ou no grande, no bom ou no mau, no bonito ou no feio, etc., conduzem-nos a avaliar tudo e mais alguma coisa tomando sempre qualquer bitola, ainda que seja a nossa bitola, em função seja do que for. Se assim é, parece que tem de ser. Mas não.

O grande mérito da ciência, que é um grande paradoxo, está em, ao tentar conhecer o ser, o que é, o que tem-de-ser, por força da objectividade e do rigor, descobrir que o ter-de-ser é um conjunto de possibilidades daquilo que é.

Enquanto a religião e os sistemas morais e éticos, já para não falar em político-militares e económicos, de subjugação do indivíduo, coarctando a sua vontade e os seus interesses, ainda, alegadamente, em nome do seu interesse, indivíduo que, na retórica da publicidade, é rei, mas sem que tenha uma palavra a dizer, desde que nasceu, ditam, sem pejo e sem respeito pelo indefeso indivíduo, numa tábua de deveres tão ampla e tão violentadora do ser, as leis, não naturais, do que eles devem ser, em nome de deuses ou divindades que antecipam, por revelação misericordiosa, a resposta que não precisa de ser questionada, nem procurada, sem contemplação do que eles são ou sejam, ou possam ser.

O verdadeiro problema do humano não são tanto as bitolas, mas quem as estabelece e quem não está sujeito a elas.

Aceitaríamos as leis mais duras, se todos, e em primeiro lugar quem as dita, estivessem sujeitos a elas. Não aceitaremos nem as leis mais sofríveis, se quem as dita não estiver igualmente obrigado por elas. Podemos por a tónica nos direitos ou nos deveres, tanto faz.

Supostamente, não conseguimos viver sem elas. Mas há quem viva.

Elas tornaram-se mais importantes do que nós. Mas não para nós. Nós não somos nada, as bitolas são tudo. Sobretudo no dia em que só vai haver bitolas.

A explicação da música vai estar em registos, assim como toda a explicação do universo, que até já pode existir, mas enquanto não passar pela minha cabeça, é como se não existisse, para mim.

Nenhuma ciência, filosofia, ou música, religião ou discurso poderão, todavia, abrir uma simples caixa de sapatos, ou limpar as lentes de uns óculos embaciados. Nem todo o saber do mundo o poderá fazer. Até o papa, que lê os evangelhos, precisa de um sacristão que lhe abra o livro. E o sacristão, provavelmente, não achará interesse em saber lê-lo.

 

segunda-feira, 8 de março de 2021

As coisas e os números

Enquanto escrevo sobre realidade e conhecimento, volto a pensar no Hilário, que disse ao seu amigo:
- O uno é o todo, que nós desconhecemos.
E o amigo acrescentou:
- No entanto, a unidade(=1) é composta de um número infinito de partes.
Hilário: cada parte, cada fracção da unidade é, por sua vez, uma unidade.
O amigo: o todo é constituído pelas partes, do mesmo jeito que a unidade é o somatório, ou o conjunto, o total das unidades.
Hilário: unidades entendidas como 1+1+1..., de tal modo que, por exemplo, 1/2= 1+1=2.
O amigo: dividida em duas partes a unidade passa a ser duas unidades.
Hilário: boa! Deste-me uma ideia: se dividir um euro em dois, posso ficar com um e dar-te o outro.
O amigo: mas não consegues dividir um euro em dois, como não consegues dividir uma maçã em duas, ou outra coisa qualquer.
Hilário: pois não, só se consegue isso com os números.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

Um país sabotado

Entre as preocupações e frustrações, neste país, uma das maiores é ser um país ao contrário. Não é um país para viabilizar e facilitar e ajudar o cidadão.

É um país para derrotar, diminuir e anular o trabalhador crédulo e confiante de boa fé.

É ser uma plataforma de sabotadores.

É uma engrenagem em que se entra grande e se sai pequeno. Em que se entra optimista e se sai aniquilado.

Isto aprende-se, desde muito cedo. Só há lugar para os melhores, mas, no fim, não há lugar para ninguém. É muito preocupante a nossa cultura de sabotagem e de sabotadores. É no que dá a aprendizagem, até pela experiência diária, de que toda a gente anda a sabotar o trabalho de toda a gente.

Nós não somos um país adiado, somos um país sabotado.

E quando esta cultura se instala, não está tudo perdido, mas estamos perdidos. A parte interessante e positiva é que não está tudo perdido.

Quem mais e melhor sabota, mais e melhor faz. Não é o salve-se quem puder, é o sabote quem puder.

Nem precisava de referir a escola superior da política.

Mas, o que tem sido a política senão a sabotagem mais concertada e mais imbatível dos sonhos e das aspirações e do trabalho de quem acredita na solidariedade e na justiça, enfim, no amanhã?

Ao serviço de quem têm estado os nossos partidos e os nossos governantes, sob a capa da impunidade? Que miserável visão nos proporcionam os governantes!

Muitos dirão que é tudo uma questão na perspectiva do lado de que se está.

domingo, 21 de fevereiro de 2021

Banqueiros e cumplicidade de políticos

Os banqueiros e os políticos cúmplices são a fórmula imbatível e inexpugnável para quebrar a espinha dorsal de uma sociedade crédula e confiante.  

É o pior que se pode fazer, tudo por ganância e por desprezo total dos mais elementares valores, códigos de honra e ética social, para não falar em Códigos Civis e Penais.  

A educação para a cidadania e para a literacia financeira devem deter-se pacientemente nestas realidades, muito tristes, é certo, mas incontornáveis.  

E estamos a falar muito vagamente, de um mundo que gere as poupanças dos outros, praticamente sem controlo, e que, tantas vezes, promove investimentos em que, fraudulentamente, as perdas de uns são uma das faces da moeda dos grandes ganhos de outros. 

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

A arte não tem outro modo de ser senão ela própria

A arte não tem outro modo de ser senão ela própria. 
A um «objecto» de arte, seja poema, pintura, escultura, música, não se pode exigir nada. 
Não se pode exigir que esteja "bem escrita", "bem pintada", etc.. 
Em tempos, numa conversa de passagem pelo corredor da escola, disse a um professor de português, a propósito não sei de quê, que um poema, um conto, um romance, por mais erros de ortografia, e outros, que tenha, não pode ser considerado mal escrito. 
Ele ficou a olhar para mim sem perceber que eu estava a falar a sério e riu-se. 
O artista não está vinculado a nada. 
O autor de uma tese está vinculado a imensas coisas, não pode escrever o que lhe der na veneta. O executante de uma partitura e o professor de português, também. 
Só o artista não. 
Nem sequer está vinculado a fazer arte.