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sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

Quem quer ser sábio? IV

Este ideal de sábio é tão irrealista, inalcançável, fantasioso, desenraizado da própria humanidade, que se torna contraditório ou absurdo por requerer e supor a própria humanidade do sábio, justamente o que dá razão de ser ao ideal de sábio. Este, sob pena de se contradizer e negar-se a si mesmo, não pode deixar de ser um ideal humano, que os homens queiram, possam e reconheçam valor em realizar. 

As posições filosóficas idealistas, tal como as posições religiosas, quando se colocam num plano “não realista”, fora da realidade como ela éabstractas e puramente racionalistas, perdem credibilidade como concepções filosóficas, porque se posicionam fora e contra a realidade, o que é um erro.  

Ora, sendo a Sabedoria o objecto e o objectivo da filosofia, é da essência desta identificar e posicionar-se contra o erro. 

quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

Quem quer ser sábio? III


Do sábio espera-se que, tanto nas palavras sábias que diz, como na sábia conduta com que faz, ou deixa de fazer, revele ter a justa noção das coisas. 

E que ame, que esteja imerso, que inclua, que agasalhe, que estreite, que abrace, que pacifique, que construa, que cure, que salve e que não agrida, que não afaste, que não hostilize, que não adoeça, que não mate e que, se tiver de condenar, o faça pelo sentido último das virtudes de Sócrates, formulado pelo imperativo categórico, de Kant, e não por uma razão pura.  

E que não tenha outro poder, nem outra riqueza, nem outros apegos, senão os da Sabedoria, que outros maiores não existem. 

E dele não se espera e não se aceita que seja imprudente, tolo ou medroso.  

A loucura do sábio tem mais a ver com a sua ousadia, valentia, despojamento e capacidade de abnegação. 

Tanto ou mais do que ao nível discursivo, ao sábio não são toleradas paixões, senão a compreensão delas, fraquezas científicas, nem morais, nem de mundivisão e mesmo as fraquezas físicas, apenas são toleradas as que, de todo, não forem indesculpáveis.

  

segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

Quem quer ser sábio ? II

O sábio não possui a Sabedoria, nem a filosofia possui a Sabedoria, embora a vida do sábio seja uma prova de sabedoria e não apenas pelo seu amor a esta. Não obstante, a prova de sabedoria está suspensa de muitas condições e, a de ser sábio também, entre elas, não falhar até ao fim da vida, uma falha deita tudo a perder e, por outro lado, tudo depende da avaliação futura.  

Ao sábio não basta saber os códigos ou a matemática com os quais decifrasse e desenigmasse o universo e a vida. Não basta ter bondade, embora esta seja um atributo da sabedoria. Não lhe basta ter, ou dizer palavras de sabedoria, pois até do bico do papagaio e da boca do néscio podem sair palavras sábias. Nem basta proceder como um sábio, porque os ignorantes, até certo ponto, também podem agir em conformidade.  

Nem basta ao sábio saber o que é a Sabedoria e o que é ser sábio. 

domingo, 24 de janeiro de 2021

Quem quer ser sábio?

A Sabedoria é o âmago da filosofia. 

Diria que é a dimensão mais conseguida e mais completa da(s) Inteligência(s). É integradora dos saberes, dos conhecimentos, das culturas e dos discursos acerca deles, não apenas na óptica ou perspectiva do sábio, mas também nas de outros sábios, presentes ou futuros e manifesta-se na personalidade e no carácter. Por ex., uma decisão sábia pode ser a realização ou concretização, mais do que a conclusão, de um processo de conhecimento e de compreensão e de visão, no entanto, não exclui que só ao fim de muitos anos ou séculos se possa avaliar a sabedoria que lhe esteve subjacente.  

A Sabedoria não é um determinismo da natureza, cujas leis as ciências da natureza pudessem estabelecer. 

Ninguém está “condenado” a ser sábio. Ninguém pode ser “condenado” a ser sábio. Mas certas pessoas, pela personalidade, por temperamento e pelo carácter, estão em piores condições do que outras para serem sábias. 

Algumas pessoas, pelas funções que exercem, não podem deixar de revelar um elevado nível de sabedoria relacionada com o seu múnus, mas isso não é ser sábio. 

sábado, 16 de janeiro de 2021

A vontade de uns e a dos outros

Qualquer pessoa, mesmo sabendo o que deve ou não fazer, mesmo sabendo as consequências dos seus actos, se a deixarem e se não puderem impedi-la, pode escolher fazer o que não deve e o que é pior. 
A vontade do indivíduo, que é o reduto da liberdade, no fim, como acontece com os actos terroristas e suicidas, é incoercível.  

Mas a maior parte das pessoas faz coisas prejudiciais, por erro, por desconhecimento e não por má vontade. 
De qualquer modo, temos de continuar a acreditar que a vontade de uns contra a vontade dos outros também pode ser um problema resolúvel através da inteligência, do bom senso e da negociação, sem que uns se imponham aos outros. 
Com o tempo, as boas razões revelam-se vantajosas e pode até acontecer que o que prevalece não seja nenhuma daquelas vontades iniciais, mas uma nova vontade. 

segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

O homem vulgar

“O homem vulgar não cuida em se valorizar e aperfeiçoar. Aliás, afirma o direito à vulgaridade porque ser diferente, isto é, selecto e nobre, é indecente" (Ortega y Gasset). 

A citação de Ortega Y Gasset é uma pérola genuína. É daqueles textos que são um excelente pretexto para acordar o espírito crítico sonâmbulo ou, até, ressuscitar a alma dessa eternidade que antecede o juízo final.  

Ser selecto e nobre é indecente.  

Ortega Y Gasset, colocou a questão da melhor forma. 

quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

As estrelas e os satélites


Um dos pontos fracos (do ponto de vista da criatividade e da originalidade e do aproveitamento do efeito notoriedade e da canonização de figuras, símbolos, estilos, épocas e mitos, entre outros recursos religiosos e artísticos disponíveis, que são imensos...) de muitos autores do nosso tempo, incluindo Saramago e Eduardo Lourenço, e podia referir milhares deles que são escritores, porque até têm obra publicada, mas não são autores, dizia eu, um dos pontos fracos, que me desgosta e faz desmerecer-lhes muito da admiração que lhes é devotada, é o "gene oportunista" que os faz colarem-se ao astro, como se diz no ciclismo, para não dizer que vão a reboque, por exemplo, de conventos de Mafra e de Fernando Pessoa, como satélites que devem o brilho às estrelas que os iluminam.  

Se reflectem a luz dessas estrelas, não é porque lhes emprestem ou deem luz, que os satélites não têm e as estrelas não precisam, mas é porque buscam a luz e o brilho onde ele estiver e acabam fazendo seu o que é alheio.  

Mas há autores, poetas, e dou o exemplo de Pessoa, a quem repugnaria construir a sua obra com a obra de outros e, menos ainda, com os seus escombros, porque têm ou tinham uma motivação bem diferente.  

Diria que o "espírito jornalístico do mercado da atenção" se derramou sobre o nosso tempo como um pentecostes, desta vez, mais do tipo igreja universal. 


terça-feira, 15 de dezembro de 2020

O poder das ficções

A parte mais resistente para quem se afoita a penetrar e a pensar e a reflectir e a falar sobre a sociedade e a cultura é quando se percebe que, afinal, não temos alternativas a viver, pensar e a expressarmo-nos senão enquanto ficções, até de nós próprios.

Mesmo quando estamos conscientes disso e entendemos as coisas dentro do seu universo de significações, não nos resta senão viver de acordo com isso.

Se um autor, por exemplo, quiser ficcionar um universo paralelo, não consegue.

É tão ou mais difícil do que falar de um mundo sem metafísica e alquimia cujas linguagens e conceitos são da metafísica e da alquimia.

É tão problemático como tentar explicar que "Deus morreu" a uma multidão que, logo, reclama pelo cadáver, que têm como certo não ser possível exumar, e não ser essa a tarefa.

Na relação sujeito-objecto, o objecto passou a integrar o próprio sujeito como parte do problema, senão a maior parte.

E existem muitos riscos de comprarmos, ou de adoptarmos ficções que, de todo, não nos convêm.

Nem só os charlatães, bruxos e bruxas, sequestram os seus clientes com o poder das ficções que, habilmente, tecem para eles, fazendo-os crer que a teia existe.