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sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

Quem tem imaginação tem tudo

Sedutora

Poderosa ninfa

A minha memória está cheia

De pessoas encantadoras

A maior parte

Que eu não conheci

E de lugares de sonho

Que talvez nunca chegue a visitar.

                        Carlos Ricardo Soares


domingo, 19 de janeiro de 2025

Aproximações à verdade XXXVII

Hilário: simplesmente bela!

Amiga: estás a cometer uma imprudência

Hilário: essa palavra faz arrepiar o mais pintado

Amiga: qual palavra?

Hilário: imprudência

Amiga: tens noção do perigo que existe para a tua reputação se elogiares uma mulher?

Hilário: foi por impulso, ou instinto, sei lá, já elogiei tantas mulheres e vi sempre a minha reputação ganhar com isso

Amiga: elogiaste quem? As tuas avós, a tua mãe, a tua madrinha, as tuas tias, a tua sogra, a tua mulher, a tua filha?

Hilário: e elogiei-te agora mesmo

Amiga: a imprudência é que eu poderia pensar que te estás a atirar a mim

Hilário: eu sei que nunca pensarias uma coisa dessas

Amiga: pois eu acho que a imprudência está aí na linha que separa o elogio do galanteio

                                     Carlos Ricardo Soares 


terça-feira, 14 de janeiro de 2025

Entoar


Mesmo para quem se habituou e aprendeu a escutar e a olhar, 
de dentro para dentro, para fora, para o passado, presente e futuro, de fora para dentro... como é o caso dos poetas, 
está cada vez mais difícil, 
tanto é o ruído, a poluição sonora e visual, a exaustão, 
a falta ou dificuldade de comunicação. 
Cada gesto, cada palavra, cada rosto, cada coisa, 
se indiferenciam na agitação de sinais que disputam a nossa atenção 
cada vez mais saturada. 
Mas é preciso entoar, 
nem que seja ao vento.

                        Carlos Ricardo Soares

sábado, 11 de janeiro de 2025

Rumos, remos e arte de rumar

Quantos de nós já fizeram esse

E o percurso inverso

Quantos de nós já remaram

Na ida

E estão a remar de regresso

Mas todos os caminhos vão dar ao fim

Nenhum ao começo

                  Carlos Ricardo Soares 


domingo, 29 de dezembro de 2024

Aproximações à verdade XXXVI

Hilário: compreendo a dificuldade que sentes em ouvir-me quando falo de recordações minhas que são narrativas do que não viveste

Amiga: sobretudo quando me falas de sítios onde nunca estive e de sentimentos que eu não sei se tive alguma vez

Hilário: são imensas as coisas que nunca poderemos comunicar com ninguém, nem através da música, nem através dos gestos, nem através das palavras

Amiga: até a saudade, nesse aspeto, é um fardo pesado

Hilário: é como se não tivéssemos sido capazes de dominar o tempo como soubemos preservar as memórias

Amiga: não fomos capazes de parar nesses cenários, saímos deles por alguma razão que, agora, nem nos interessa saber qual era

Hilário: mas era a vida a fluir, não éramos só nós a deslocarmo-nos de uns cenários para os outros, era toda a gente

Amiga: nem quando estamos sozinhos, muito tempo no mesmo lugar, pensamos na mesma cena mais do que uns instantes

Hilário: termos esta noção é como se víssemos o tempo a passar diante dos nossos olhos

Amiga: sem o podermos parar

Hilário: mesmo que o quiséssemos parar

Amiga: uma vez, estava com um namorado, e era tão bom estarmos assim, que desejei que o tempo parasse

Hilário: e não lhe disseste

Amiga: disse, mas quando disse já não estava no tempo desse encanto, já estávamos no tempo de olhar para o que passou e, uma hora mais tarde, já estava a viajar em sentido contrário, de regresso a casa, que também seria a minha casa por pouco mais tempo, e assim sucessivamente

Hilário: quando olho para o passado só vejo desastres, demolições, tempestades, guerras, mortes, aflições, trabalhos, um mundo a ruir à nossa volta

Amiga: mas tivemos a sorte de tudo isso ter acontecido à nossa volta e não nos ter acontecido a nós

Hilário: aconteceu-nos, também nos aconteceu e o que aconteceu ainda continua a afetar-nos de múltiplas formas

Amiga: do mesmo modo que não paramos nos melhores momentos, com pena nossa, também não paramos nos piores, para nosso alívio.

Carlos Ricardo Soares


domingo, 22 de dezembro de 2024

Este Natal

Este Natal
está ainda mais cheio
de memórias
mais vazio de riquezas
perdidas
mas o meu coração
está onde está
o meu tesouro
não as minhas certezas
este Natal está ainda mais cheio
de incertezas
e isso dá-me esperança
num mundo em que as pessoas
parecem senhores
de uma verdade
triste.
Carlos Ricardo Soares

domingo, 15 de dezembro de 2024

Lei das escolhas II

Indo ao encontro das objecções de alguns leitores amigos, retomo o assunto de um texto anterior, para tentar esclarecer dúvidas.
A minha teoria assenta no pressuposto de que não há racionalidade se não houver consciência e de que a consciência se manifesta por sinais de racionalidade. 
O meu conceito de racionalidade, por sua vez, pretende depurar o uso corrente e indiscriminado de racionalidade, razão, racional, irracional, cujas cargas valorativas tendem a confundir racional com razoável, fundamentado, lógico, bom, certo, verdadeiro, pensado. 
O meu conceito de racionalidade não se restringe a uma racionalidade no sentido humano de racionalidade acerca da(s) racionalidade(s) uns dos outros, mormente da racionalidade discursiva, entendida como razoabilidade ou boas razões para. Este conceito de racionalidade deixa de fora os animais. 
O meu conceito, diferentemente, supõe que a racionalidade é, não um produto cultural, característica de um produto cultural, mas uma faculdade natural dos seres humanos e, numa acepção mais alargada, dos seres vivos. 
Para simplificar, racionalidade, neste meu entendimento, é a faculdade que temos de distinguir as coisas e de reconhecer ou de estabelecer relações entre elas, qualquer que seja a distinção e a relação que possamos estabelecer, qualitativa, quantitativa, real, hipotética, ilusória, valorativa, matemática, sensitiva, cognitiva, musical, sensorial, numérica, geométrica, moral, etc.. 
Nesta acepção, tanto é racional distinguir um quadrado de um triângulo, como distinguir o amarelo do azul, ou relacionar o número 10 com o número 2. Se conseguimos estabelecer um rácio entre o quadrado e o triângulo, ou entre o 10 e o 2, também conseguimos estabelecer um rácio entre o amarelo e o azul. Independentemente dos rácios que sejamos capazes de estabelecer, a racionalidade é essa faculdade de discernir. 
Ora, só é possível discernir coisas diferentes, qualquer que seja a causa dessa diferença. Sem a consciência julgo que tal não é possível. Daí eu dizer que a racionalidade e a consciência são como duas faces de uma moeda transparente.
Devemos ter em consideração esta concepção de racionalidade como função natural que opera tanto nas crenças religiosas como noutras quaisquer.
Por outras palavras, não direi que algo, seja o que for, torna a escolha racional, digo é que a escolha é racional, independentemente daquilo sobre que incide.
Por exemplo, quando se objeta «há muita coisa que não vem de um processo consciente» que «são muito influentes em crenças e elementos culturais» não se está a reconhecer que a minha teoria não põe em causa que a maior parte daquilo que somos e fazemos, desde nascer, respirar, dormir, crescer, pensar, etc., precede a consciência e até pode prescindir dela, exceto talvez pensar.
A minha tese é que, quando alguém faz uma escolha, isso deriva de um processo em que houve consciência, pese embora poder haver graus de consciência, e houve avaliação, com a tal faculdade de estabelecer rácios e houve execução (entenda-se executar como concretização da escolha, que pode ser meramente mental, sem manifestações exteriores de comportamento).
O que torna racional a escolha não é o ser adequado ou ter justificação de um qualquer ponto de vista, subjetivo, ou objetivo.

            Carlos Ricardo Soares

quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

Óbvio, "uma ova"!

Algumas reflexões acerca do óbvio e de haver pessoas informadas que não veem o que é óbvio.
Sendo o óbvio o que salta à vista, que não suscita dúvidas, e sabendo nós que, em inumeráveis situações, pessoas informadas não veem o óbvio, a pergunta que fica no ar, “como é possível?”, é da maior pertinência e merece toda a atenção de quem, como é o caso dos professores, trabalha profissionalmente em fazer com que as coisas e a verdade acerca delas, o interesse e o valor que elas podem ter, se tornem óbvias.

Sabemos, até por experiência de vida elementar direta, que existe um hiato, ou distância intransponível, entre a representação mental que fazemos das coisas e as próprias coisas (admitindo que representação mental e as coisas representadas são realidades e realidades distintas, uma vez que, ao dizermos isto, continuamos a fazer representações mentais de coisas que são representações mentais).
Aliás, os ilusionistas profissionais fazem mesmo questão de começar por alertar o público, avisando que “quanto mais se olha menos se vê”, ou “quanto mais olharem, menos veem” e as pessoas parecem confirmar. Como é possível? E estamos a falar de situações de mera observação directa, sem intermediação de linguagens.
Quando passamos para situações em que a representação que nós fazemos é feita a partir da observação, percepção, descodificação, de uma linguagem, tudo se pode complicar indefinidamente e um exemplo disso são os discursos filosóficos.
No entanto, na matemática e na geometria podemos encontrar talvez os exemplos mais claros de que o óbvio, mais ou menos óbvio, é mesmo um problema de linguagem. Por exemplo, 2+2=4 é mais óbvio do que 2%+2, ou que uma unidade dividida por 2 dá 2 unidades, que a unidade é a grandeza mais simples; ver que o triângulo e o quadrado são polígonos é mais óbvio do que ver que cada lado é um segmento de recta e menos óbvio será ver que um polígono tem pelo menos três lados e, ainda menos óbvio, que o triângulo é, nesse aspecto, o polígono mais simples.
Na realidade, ainda a propósito do óbvio, pode-se viver cem anos a estudar matemática e nunca ter pensado em coisas tão óbvias (admitindo que é óbvio o que acabo de escrever e aqueles exemplos). 

           Carlos Ricardo Soares