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domingo, 22 de dezembro de 2024

Este Natal

Este Natal
está ainda mais cheio
de memórias
mais vazio de riquezas
perdidas
mas o meu coração
está onde está
o meu tesouro
não as minhas certezas
este Natal está ainda mais cheio
de incertezas
e isso dá-me esperança
num mundo em que as pessoas
parecem senhores
de uma verdade
triste.
Carlos Ricardo Soares

domingo, 15 de dezembro de 2024

Lei das escolhas II

Indo ao encontro das objecções de alguns leitores amigos, retomo o assunto de um texto anterior, para tentar esclarecer dúvidas.
A minha teoria assenta no pressuposto de que não há racionalidade se não houver consciência e de que a consciência se manifesta por sinais de racionalidade. 
O meu conceito de racionalidade, por sua vez, pretende depurar o uso corrente e indiscriminado de racionalidade, razão, racional, irracional, cujas cargas valorativas tendem a confundir racional com razoável, fundamentado, lógico, bom, certo, verdadeiro, pensado. 
O meu conceito de racionalidade não se restringe a uma racionalidade no sentido humano de racionalidade acerca da(s) racionalidade(s) uns dos outros, mormente da racionalidade discursiva, entendida como razoabilidade ou boas razões para. Este conceito de racionalidade deixa de fora os animais. 
O meu conceito, diferentemente, supõe que a racionalidade é, não um produto cultural, característica de um produto cultural, mas uma faculdade natural dos seres humanos e, numa acepção mais alargada, dos seres vivos. 
Para simplificar, racionalidade, neste meu entendimento, é a faculdade que temos de distinguir as coisas e de reconhecer ou de estabelecer relações entre elas, qualquer que seja a distinção e a relação que possamos estabelecer, qualitativa, quantitativa, real, hipotética, ilusória, valorativa, matemática, sensitiva, cognitiva, musical, sensorial, numérica, geométrica, moral, etc.. 
Nesta acepção, tanto é racional distinguir um quadrado de um triângulo, como distinguir o amarelo do azul, ou relacionar o número 10 com o número 2. Se conseguimos estabelecer um rácio entre o quadrado e o triângulo, ou entre o 10 e o 2, também conseguimos estabelecer um rácio entre o amarelo e o azul. Independentemente dos rácios que sejamos capazes de estabelecer, a racionalidade é essa faculdade de discernir. 
Ora, só é possível discernir coisas diferentes, qualquer que seja a causa dessa diferença. Sem a consciência julgo que tal não é possível. Daí eu dizer que a racionalidade e a consciência são como duas faces de uma moeda transparente.
Devemos ter em consideração esta concepção de racionalidade como função natural que opera tanto nas crenças religiosas como noutras quaisquer.
Por outras palavras, não direi que algo, seja o que for, torna a escolha racional, digo é que a escolha é racional, independentemente daquilo sobre que incide.
Por exemplo, quando se objeta «há muita coisa que não vem de um processo consciente» que «são muito influentes em crenças e elementos culturais» não se está a reconhecer que a minha teoria não põe em causa que a maior parte daquilo que somos e fazemos, desde nascer, respirar, dormir, crescer, pensar, etc., precede a consciência e até pode prescindir dela, exceto talvez pensar.
A minha tese é que, quando alguém faz uma escolha, isso deriva de um processo em que houve consciência, pese embora poder haver graus de consciência, e houve avaliação, com a tal faculdade de estabelecer rácios e houve execução (entenda-se executar como concretização da escolha, que pode ser meramente mental, sem manifestações exteriores de comportamento).
O que torna racional a escolha não é o ser adequado ou ter justificação de um qualquer ponto de vista, subjetivo, ou objetivo.

            Carlos Ricardo Soares

quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

Óbvio, "uma ova"!

Algumas reflexões acerca do óbvio e de haver pessoas informadas que não veem o que é óbvio.
Sendo o óbvio o que salta à vista, que não suscita dúvidas, e sabendo nós que, em inumeráveis situações, pessoas informadas não veem o óbvio, a pergunta que fica no ar, “como é possível?”, é da maior pertinência e merece toda a atenção de quem, como é o caso dos professores, trabalha profissionalmente em fazer com que as coisas e a verdade acerca delas, o interesse e o valor que elas podem ter, se tornem óbvias.

Sabemos, até por experiência de vida elementar direta, que existe um hiato, ou distância intransponível, entre a representação mental que fazemos das coisas e as próprias coisas (admitindo que representação mental e as coisas representadas são realidades e realidades distintas, uma vez que, ao dizermos isto, continuamos a fazer representações mentais de coisas que são representações mentais).
Aliás, os ilusionistas profissionais fazem mesmo questão de começar por alertar o público, avisando que “quanto mais se olha menos se vê”, ou “quanto mais olharem, menos veem” e as pessoas parecem confirmar. Como é possível? E estamos a falar de situações de mera observação directa, sem intermediação de linguagens.
Quando passamos para situações em que a representação que nós fazemos é feita a partir da observação, percepção, descodificação, de uma linguagem, tudo se pode complicar indefinidamente e um exemplo disso são os discursos filosóficos.
No entanto, na matemática e na geometria podemos encontrar talvez os exemplos mais claros de que o óbvio, mais ou menos óbvio, é mesmo um problema de linguagem. Por exemplo, 2+2=4 é mais óbvio do que 2%+2, ou que uma unidade dividida por 2 dá 2 unidades, que a unidade é a grandeza mais simples; ver que o triângulo e o quadrado são polígonos é mais óbvio do que ver que cada lado é um segmento de recta e menos óbvio será ver que um polígono tem pelo menos três lados e, ainda menos óbvio, que o triângulo é, nesse aspecto, o polígono mais simples.
Na realidade, ainda a propósito do óbvio, pode-se viver cem anos a estudar matemática e nunca ter pensado em coisas tão óbvias (admitindo que é óbvio o que acabo de escrever e aqueles exemplos). 

           Carlos Ricardo Soares


segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

Aproximações à verdade XXXV

Amiga: estavas a dizer que o sonho comanda a vida?

Hilário: conheces a Pedra filosofal?

Amiga: sim, do António Gedeão, eles não sabem que o sonho…

Hilário: esse poema tornou-se famoso pela música e voz de Manuel Freire

Amiga: mas olha que não é apenas o sonho que comanda a vida

Hilário: pois não, até há muitas vidas que não são comandadas pelo sonho

Amiga: mesmo aquelas que o foram alguma vez e deixaram de o ser

Hilário: deixamo-nos embalar por uma canção e…adormecemos

Amiga: sonhamos

Hilário: ou temos pesadelos

Amiga: mas não são os pesadelos que comandam a vida

Hilário: não diria isso com tanta convicção

Amiga: ninguém se deixa guiar por um pesadelo

Hilário: mas há quem diga que somos guiados pelo erro e pela estupidez

Amiga: isso só acontece enquanto não percebemos que estamos errados

Hilário: e o que acontece quando a estupidez não deixa reconhecer os erros?

Amiga: não me agrada essa ideia de a estupidez comandar a vida

Hilário: há muitas outras coisas que não nos agradam

              Carlos Ricardo Soares

quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

Encruzilhada e transições


Quando estar na encruzilhada, ou na transição (digital, climática, energética, demográfica, social, política…) é estar consciente dos processos de mudança em curso que dificultam e complicam a necessidade de manter e de reproduzir uma ordem social, económica, política, jurídica, nacional e internacional, pelo menos ajuda a compreender porque é que as instituições deixam de ter a capacidade e a agilidade necessárias para amortecerem e se adaptarem aos choques em cadeia dessas transições, por mais expectáveis e previsíveis que sejam.

De qualquer modo, será através das instituições, atualizadas, renovadas, reapetrechadas, que as transições ocorrerão, num processo dinâmico e dialético de várias vertentes, sendo uma delas por inerência das instituições, porque, pela própria razão de ser, devem assegurar e reproduzir as condições para a realização de objetivos programados, e outra por iniciativa própria, antecipando e promovendo processos de mudança.

O tema abre perspetivas de análise e de compreensão dos fenómenos sócio-culturais, mormente políticos, carregados de interesse.

Os Estados, através das suas instituições, mais nos últimos séculos, têm vindo a assumir um protagonismo e uma iniciativa crescentes nos processos de mudança, todavia fazem-no, não apenas pelas vantagens que essa mudança pode trazer por si mesma, mas também e sobretudo porque os processos de mudanças se representam como necessários, ou como a melhor forma de manter e reproduzir uma certa ordem das coisas.

Isto parece paradoxal, mas está na linha daquele pensamento anedótico segundo o qual é preciso trabalhar muito para que tudo continue na mesma e não se consegue.

Ainda nesta ordem de ideias, e para abreviar, se quisermos pensar, por exemplo, no modelo do Estado liberal, veremos que este, para o ser, mesmo que se limitasse a manter e a reproduzir o modelo, só para conseguir isso já teria de fazer muito mais do que isso, tomando e assumindo prerrogativas e iniciativas de toda a ordem que, em última análise, não são próprias de um Estado liberal.

Carlos Ricardo Soares 


domingo, 1 de dezembro de 2024

Aproximações à verdade XXXIV - Luís Vaz de Camões


Hilário: já acabaste de ler a biografia de Camões?

Amiga: esta sim, mas ainda não li a que ainda não acabei de escrever

Hilário: também estás a escrever uma biografia de Camões?

Amiga: não é bem escrever, é mais imaginar do que construir, construir dá ideia de um puzzle, de andar a juntar peças

Hilário: sou leitor entusiasta de biografias, mas quando tento falar delas sinto que há uma distância intransponível entre a minha imaginação e aquilo que é comunicável

Amiga: Camões é um dos Lusíadas mais notáveis e fascinantes, mas não consigo dizer o que sinto e o que penso que me leva a afirmá-lo

Hilário: não se fala de Camões e, sobretudo, não se pensa em Camões como num indivíduo, acerca do qual pouco se sabe, apenas que escreveu poemas e um livro

Amiga: não se fala em Camões como se fala em Camilo Pessanha, ou em Fernão Mendes Pinto, por exemplo

Hilário: quanto mais tentamos imaginar e colocarmo-nos na pele da sua humanidade, da sua humana experiência, vida, conhecimento, arte e obra, mais nos deparamos com um protagonista que, surpreendentemente e por razões de sobejo, podia ser a principal figura dos Lusíadas

Amiga: se estás a pensar o mesmo que eu, paradoxalmente, Camões não teve quem o escrevesse, quem o inscrevesse nos Lusíadas, como ele inscreveu Vasco da Gama e tantos outros

Hilário: mas a voz dele está lá, e o nome, e muitas ressonâncias que nos fazem desejar entender o verdadeiro significado das palavras e dos simbolismos que seduzem e ocupam tantos de nós

Amiga: Camões é um personagem que cada leitor tem de criar nos termos do próprio Camões, da sua experiência, da sua arte e elevação discursiva, segundo as condições e acontecimentos do seu tempo

Hilário: poeta que escreve para o mundo do seu tempo, que o hostilizou e ele conheceu com uma acuidade e envolvência singulares, numa ambivalência de amor e ódio, donde partiu amargurado e ao qual voltou, não menos dificilmente do que tinha partido dezassete anos antes, ainda para realizar os seus objetivos, que estavam por realizar, que a vida dá muitas voltas, que eram fazer-nos ouvir a sua voz, uma voz de outros mundos

Amiga: para mim, que sou uma estudiosa de Camões e do seu tempo, há um Portugal antes de Camões e um Portugal após Camões e ele tinha a percepção dessa realidade

Hilário: achas que ele sentiu um choque quando comparou os Lusíadas do poema com os lusíadas com quem passou os últimos dez anos de vida?

Amiga: acho que ele sentiu a confirmação da grandeza do seu poema épico

Hilário: mas Portugal estava numa rota de crescentes dificuldades e decadência

Amiga: a grandeza de Portugal sempre se manifestou nas dificuldades e na decadência, assim como a grandeza de Camões se manifestou na forma como viveu, sublimando os obstáculos e os desaires em etapas de um percurso e obra cujo significado não se obtém senão pela perspetiva histórica

Hilário: Camões e os navegadores portugueses dessa época comungavam de um sentido de abnegação muito grande como se tivessem a noção de que eram personagens de uma narrativa maior que eles, pela qual estavam dispostos a sacrificar tudo

Amiga: eles tinham a noção de que estavam a fazer grandes descobrimentos e grandes obras originais, em que se tornariam, indissociavelmente, as suas vidas.

                      Carlos Ricardo Soares

sexta-feira, 29 de novembro de 2024

Lei das escolhas


Deixo aqui a reprodução das minhas considerações acerca dos pontos que estruturam a minha teoria segundo a qual a cultura, sob qualquer das suas formas, é um resultado, efeito, consequência, produto, enfim, escolha de indivíduos conscientes, racionais. Neste aspeto é um facto, mas todo o processo ou génese é acto, individual, consciente, racional. Os artefactos, resultados, etc, podem ser todos diferentes, no tempo, no espaço e na autoria, ou agente.

As ideias de um indivíduo sobre a filosofia e a ciência e a ética podem ser e são diferentes das outras, se não em todos, em alguns aspetos. Mas são produtos, na acepção referida. O acto, ou actos, que se concretiza, ou manifesta, ou objetiva, ou objetifica em facto cultural é um processo mental, individual, mais ou menos complexo, de escolhas, ainda que apenas pensadas antes de serem manifestadas ou objetivadas. E, em meu entender, a cultura, em qualquer das suas formas, corporiza esta realidade de ser produzida por indivíduos com uma estrutura mental e neurológica que é a forma de que dispõem para isso.

As diferentes ideias, as diferentes culturas, enfim, as tuas, as minhas, as dos antigos, as dos cientistas, dos religiosos, dos crentes, dos ateus, dos artistas, do legislador e do polícia, têm em comum o serem produzidas segundo um processo mental de pensamento, consciente e racional, conducente a uma escolha. Daí que seja indiferente dizer que devemos ser racionais, na medida em que, se estivermos conscientes, em algum grau estaremos capazes de distinguir aquilo que se nos representa mentalmente.

Os apelos à racionalidade e à consciência pretendem significar que o processo das escolhas, do ponto de vista da estrutura neurológica e psicológica, em suma, biológica, embora seja uma “constante”, ao longo dos tempos e dos espaços, no processo de produção de cultura, esta, por sua vez, depende e varia incomensuravelmente da dimensão, intensidade e extensão da consciência de cada indivíduo sobre as possibilidades, subjetivas e objetivas, de escolha.

Escolha que incide sobre “aquilo” que o indivíduo mentalmente representa como efeito da escolha, ou seja, de um processo racional.

Perante o quadro, ou panóplia de possibilidades, o indivíduo escolherá a melhor. Esta é uma “lei” a que poderei chamar lei da melhor escolha, ou, lei das escolhas, para evitar a redundância, uma vez que a escolha é, e não pode deixar de ser, a melhor.

                        Carlos Ricardo Soares


domingo, 24 de novembro de 2024

Vivíamos


Não íamos à procura de nada

Simplesmente descobríamos

E vivíamos

Se nos perguntassem

Mais tarde

Nem nomear sabíamos

E se nomeássemos

Não responderíamos

Ainda que nos olhassem

Compreensivamente

Não podíamos

Nem dizer a nós próprios

Ao que íamos

E se o que víamos era

O que descobríamos.

                           Carlos Ricardo Soares