domingo, 22 de dezembro de 2024
Este Natal
domingo, 15 de dezembro de 2024
Lei das escolhas II
Devemos ter em consideração esta concepção de racionalidade como função natural que opera tanto nas crenças religiosas como noutras quaisquer.
Por outras palavras, não direi que algo, seja o que for, torna a escolha racional, digo é que a escolha é racional, independentemente daquilo sobre que incide.
Por exemplo, quando se objeta «há muita coisa que não vem de um processo consciente» que «são muito influentes em crenças e elementos culturais» não se está a reconhecer que a minha teoria não põe em causa que a maior parte daquilo que somos e fazemos, desde nascer, respirar, dormir, crescer, pensar, etc., precede a consciência e até pode prescindir dela, exceto talvez pensar.
quinta-feira, 12 de dezembro de 2024
Óbvio, "uma ova"!
Sabemos, até por experiência de vida elementar direta, que existe um hiato, ou distância intransponível,
entre a representação mental que fazemos das coisas e as próprias coisas (admitindo que representação mental e as coisas representadas são realidades e realidades distintas, uma vez
que, ao dizermos isto, continuamos a fazer representações mentais de coisas que são representações mentais).
Aliás, os ilusionistas profissionais fazem mesmo questão de
começar por alertar o público, avisando que “quanto mais se olha menos se vê”, ou “quanto mais olharem, menos veem” e as pessoas parecem confirmar. Como é possível?
E estamos a falar de situações de mera observação directa, sem intermediação de linguagens.
Quando passamos para situações em que a representação que
nós fazemos é feita a partir da observação, percepção, descodificação, de uma linguagem, tudo se pode complicar indefinidamente e um exemplo disso são os discursos
filosóficos.
No entanto, na matemática e na geometria podemos encontrar talvez os exemplos mais claros de que o óbvio, mais ou menos óbvio, é mesmo um problema de linguagem. Por exemplo,
2+2=4 é mais óbvio do que 2%+2, ou que uma unidade dividida por 2 dá 2 unidades, que a unidade é a grandeza mais simples; ver que o triângulo e o quadrado são polígonos é
mais óbvio do que ver que cada lado é um segmento de recta e menos óbvio será ver que um polígono tem pelo menos três lados e, ainda menos óbvio, que o triângulo é,
nesse aspecto, o polígono mais simples.
Na realidade, ainda a propósito do óbvio, pode-se viver cem anos a estudar matemática e nunca ter pensado em coisas tão óbvias (admitindo
que é óbvio o que acabo de escrever e aqueles exemplos).
Carlos Ricardo Soares
segunda-feira, 9 de dezembro de 2024
Aproximações à verdade XXXV
Amiga: estavas a dizer que o sonho comanda a vida?
Hilário: conheces a Pedra filosofal?
Amiga: sim, do António Gedeão, eles não sabem que o sonho…
Hilário: esse poema tornou-se famoso pela música e voz de Manuel Freire
Amiga: mas olha que não é apenas o sonho que comanda a vida
Hilário: pois não, até há muitas vidas que não são comandadas pelo sonho
Amiga: mesmo aquelas que o foram alguma vez e deixaram de o ser
Hilário: deixamo-nos embalar por uma canção e…adormecemos
Amiga: sonhamos
Hilário: ou temos pesadelos
Amiga: mas não são os pesadelos que comandam a vida
Hilário: não diria isso com tanta convicção
Amiga: ninguém se deixa guiar por um pesadelo
Hilário: mas há quem diga que somos guiados pelo erro e pela estupidez
Amiga: isso só acontece enquanto não percebemos que estamos errados
Hilário: e o que acontece quando a estupidez não deixa reconhecer os erros?
Amiga: não me agrada essa ideia de a estupidez comandar a vida
Hilário: há muitas outras coisas que não nos agradam
Carlos Ricardo Soaresquarta-feira, 4 de dezembro de 2024
Encruzilhada e transições
Quando estar na encruzilhada, ou na transição (digital, climática, energética, demográfica, social, política…) é estar consciente dos processos de mudança em curso que dificultam e complicam a necessidade de manter e de reproduzir uma ordem social, económica, política, jurídica, nacional e internacional, pelo menos ajuda a compreender porque é que as instituições deixam de ter a capacidade e a agilidade necessárias para amortecerem e se adaptarem aos choques em cadeia dessas transições, por mais expectáveis e previsíveis que sejam.
De qualquer modo, será através das instituições, atualizadas, renovadas, reapetrechadas, que as transições ocorrerão, num processo dinâmico e dialético de várias vertentes, sendo uma delas por inerência das instituições, porque, pela própria razão de ser, devem assegurar e reproduzir as condições para a realização de objetivos programados, e outra por iniciativa própria, antecipando e promovendo processos de mudança.
O tema abre perspetivas de análise e de compreensão dos fenómenos sócio-culturais, mormente políticos, carregados de interesse.
Os Estados, através das suas instituições, mais nos últimos séculos, têm vindo a assumir um protagonismo e uma iniciativa crescentes nos processos de mudança, todavia fazem-no, não apenas pelas vantagens que essa mudança pode trazer por si mesma, mas também e sobretudo porque os processos de mudanças se representam como necessários, ou como a melhor forma de manter e reproduzir uma certa ordem das coisas.
Isto parece paradoxal, mas está na linha daquele pensamento anedótico segundo o qual é preciso trabalhar muito para que tudo continue na mesma e não se consegue.
Ainda nesta ordem de ideias, e para abreviar, se quisermos pensar, por exemplo, no modelo do Estado liberal, veremos que este, para o ser, mesmo que se limitasse a manter e a reproduzir o modelo, só para conseguir isso já teria de fazer muito mais do que isso, tomando e assumindo prerrogativas e iniciativas de toda a ordem que, em última análise, não são próprias de um Estado liberal.
Carlos Ricardo Soares
domingo, 1 de dezembro de 2024
Aproximações à verdade XXXIV - Luís Vaz de Camões
Hilário: já acabaste de ler a biografia de Camões?
Amiga: esta sim, mas ainda não li a que ainda não acabei de escrever
Hilário: também estás a escrever uma biografia de Camões?
Amiga: não é bem escrever, é mais imaginar do que construir, construir dá ideia de um puzzle, de andar a juntar peças
Hilário: sou leitor entusiasta de biografias, mas quando tento falar delas sinto que há uma distância intransponível entre a minha imaginação e aquilo que é comunicável
Amiga: Camões é um dos Lusíadas mais notáveis e fascinantes, mas não consigo dizer o que sinto e o que penso que me leva a afirmá-lo
Hilário: não se fala de Camões e, sobretudo, não se pensa em Camões como num indivíduo, acerca do qual pouco se sabe, apenas que escreveu poemas e um livro
Amiga: não se fala em Camões como se fala em Camilo Pessanha, ou em Fernão Mendes Pinto, por exemplo
Hilário: quanto mais tentamos imaginar e colocarmo-nos na pele da sua humanidade, da sua humana experiência, vida, conhecimento, arte e obra, mais nos deparamos com um protagonista que, surpreendentemente e por razões de sobejo, podia ser a principal figura dos Lusíadas
Amiga: se estás a pensar o mesmo que eu, paradoxalmente, Camões não teve quem o escrevesse, quem o inscrevesse nos Lusíadas, como ele inscreveu Vasco da Gama e tantos outros
Hilário: mas a voz dele está lá, e o nome, e muitas ressonâncias que nos fazem desejar entender o verdadeiro significado das palavras e dos simbolismos que seduzem e ocupam tantos de nós
Amiga: Camões é um personagem que cada leitor tem de criar nos termos do próprio Camões, da sua experiência, da sua arte e elevação discursiva, segundo as condições e acontecimentos do seu tempo
Hilário: poeta que escreve para o mundo do seu tempo, que o hostilizou e ele conheceu com uma acuidade e envolvência singulares, numa ambivalência de amor e ódio, donde partiu amargurado e ao qual voltou, não menos dificilmente do que tinha partido dezassete anos antes, ainda para realizar os seus objetivos, que estavam por realizar, que a vida dá muitas voltas, que eram fazer-nos ouvir a sua voz, uma voz de outros mundos
Amiga: para mim, que sou uma estudiosa de Camões e do seu tempo, há um Portugal antes de Camões e um Portugal após Camões e ele tinha a percepção dessa realidade
Hilário: achas que ele sentiu um choque quando comparou os Lusíadas do poema com os lusíadas com quem passou os últimos dez anos de vida?
Amiga: acho que ele sentiu a confirmação da grandeza do seu poema épico
Hilário: mas Portugal estava numa rota de crescentes dificuldades e decadência
Amiga: a grandeza de Portugal sempre se manifestou nas dificuldades e na decadência, assim como a grandeza de Camões se manifestou na forma como viveu, sublimando os obstáculos e os desaires em etapas de um percurso e obra cujo significado não se obtém senão pela perspetiva histórica
Hilário: Camões e os navegadores portugueses dessa época comungavam de um sentido de abnegação muito grande como se tivessem a noção de que eram personagens de uma narrativa maior que eles, pela qual estavam dispostos a sacrificar tudo
Amiga: eles tinham a noção de que estavam a fazer grandes descobrimentos e grandes obras originais, em que se tornariam, indissociavelmente, as suas vidas.
Carlos Ricardo Soaressexta-feira, 29 de novembro de 2024
Lei das escolhas
Deixo aqui a reprodução das minhas considerações acerca dos pontos que estruturam a minha teoria segundo a qual a cultura, sob qualquer das suas formas, é um resultado, efeito, consequência, produto, enfim, escolha de indivíduos conscientes, racionais. Neste aspeto é um facto, mas todo o processo ou génese é acto, individual, consciente, racional. Os artefactos, resultados, etc, podem ser todos diferentes, no tempo, no espaço e na autoria, ou agente.
As ideias de um indivíduo sobre a filosofia e a ciência e a ética podem ser e são diferentes das outras, se não em todos, em alguns aspetos. Mas são produtos, na acepção referida. O acto, ou actos, que se concretiza, ou manifesta, ou objetiva, ou objetifica em facto cultural é um processo mental, individual, mais ou menos complexo, de escolhas, ainda que apenas pensadas antes de serem manifestadas ou objetivadas. E, em meu entender, a cultura, em qualquer das suas formas, corporiza esta realidade de ser produzida por indivíduos com uma estrutura mental e neurológica que é a forma de que dispõem para isso.
As diferentes ideias, as diferentes culturas, enfim, as tuas, as minhas, as dos antigos, as dos cientistas, dos religiosos, dos crentes, dos ateus, dos artistas, do legislador e do polícia, têm em comum o serem produzidas segundo um processo mental de pensamento, consciente e racional, conducente a uma escolha. Daí que seja indiferente dizer que devemos ser racionais, na medida em que, se estivermos conscientes, em algum grau estaremos capazes de distinguir aquilo que se nos representa mentalmente.
Os apelos à racionalidade e à consciência pretendem significar que o processo das escolhas, do ponto de vista da estrutura neurológica e psicológica, em suma, biológica, embora seja uma “constante”, ao longo dos tempos e dos espaços, no processo de produção de cultura, esta, por sua vez, depende e varia incomensuravelmente da dimensão, intensidade e extensão da consciência de cada indivíduo sobre as possibilidades, subjetivas e objetivas, de escolha.
Escolha que incide sobre “aquilo” que o indivíduo mentalmente representa como efeito da escolha, ou seja, de um processo racional.
Perante o quadro, ou panóplia de possibilidades, o indivíduo escolherá a melhor. Esta é uma “lei” a que poderei chamar lei da melhor escolha, ou, lei das escolhas, para evitar a redundância, uma vez que a escolha é, e não pode deixar de ser, a melhor.
Carlos Ricardo Soares
domingo, 24 de novembro de 2024
Vivíamos
Não íamos à procura de nada
Simplesmente descobríamos
E vivíamos
Se nos perguntassem
Mais tarde
Nem nomear sabíamos
E se nomeássemos
Não responderíamos
Ainda que nos olhassem
Compreensivamente
Não podíamos
Nem dizer a nós próprios
Ao que íamos
E se o que víamos era
O que descobríamos.
Carlos Ricardo Soares