terça-feira, 19 de setembro de 2023
Que seria o mundo sem filosofia?
sexta-feira, 15 de setembro de 2023
Demónios, deuses, humanos e outras formas de vida
Vou “inspirar-me” neste excelente contributo para rir-me dos demónios e dos deuses.
Na situação atual, receio muito que os deuses já tenham perdido a guerra porque, para os deuses vencerem os demónios, é necessário algo mais do que palavras e água benta, num campo de confrontos em que tudo é feito à custa do ambiente. Nada se faz que não seja à custa do ambiente.
As vítimas são a vida, humana e das outras espécies. Os demónios não sabem trabalhar sem acabar com isso tudo. O trabalho deles parece que não é outro. Vivem disso. São como as bactérias e os vírus mas, diferentemente destes, os demónios dominam a tecnologia e usam a ciência para transformar a natureza em poder sobre a natureza, mormente a natureza humana, tão propensa a ouvir os demónios e a ser surda aos deuses, ao ponto de ser tradicional haver necessidade de fazer ouvir os deuses e nunca ter havido sequer a veleidade de querer ouvir os demónios, que esses, de resto, são a outra face da natureza humana, que é preciso abafar e calar.
Os deuses não precisam de tecnologia, nem de ciência, mas os demónios não passam sem elas, aliás, nada seriam sem elas.
Os deuses não poluem, não agridem o ambiente, não constroem, nem desvastam florestas, não queimam combustíveis, nem erguem barragens, não têm fábricas, nem rasgam campos de futebol, não esventram montanhas, nem abrem autoestradas, e não cultivam, nem criam gado. Os deuses não precisam de comer, não respiram e não morrem.
O mundo está mesmo infestado de demónios e estes acabarão por ter aquilo que querem. Pode não ser o que os deuses querem para si, mas será, certamente, o que os deuses querem para os demónios. E, na verdade, os demónios não merecem nada, nem a simpatia dos deuses, nem a sua preocupação. Têm o que merecem. Demónio é demónio. Os deuses passam tão perfeitamente sem eles, como passam sem as espécies vivas da natureza.
Mas é a “espécie” dos demónios que extermina as outras espécies vivas da natureza.
Os demónios não se contentam com o método científico, porque eles pensam que a realidade é o que é, como já era, antes do método científico. O que eles querem, e nisso são imbatíveis, é o poder de transformar as coisas noutras coisas, até onde puderem. Por isso é que são demónios. Quando deixarem de ter esse poder, estarão mortos, deixarão de ser demónios.
Essa “espécie” de feiticeiros sabe que o feitiço tem uma probabilidade enorme de se virar contra o feiticeiro. É como dizer que “a certeza absoluta nos escapará sempre”, ou seja, não sabemos que nos escapará sempre, se não há certeza absoluta.
Ou, ainda, proclamar “Não acredites na palavra”. Se os demónios acreditarem nesta forma de imperativo, não o tomam a sério; se o tomarem a sério, não acreditam nele e isso equivale a que acreditam na palavra. Não necessariamente em todas as palavras, como essas “Não acredites na palavra”, mas provavelmente naquelas que lhes interessam, pelas mais variadas razões.
Se eles não acreditarem nas palavras, inclusive nas do Carl Sagan, vão acreditar em quê? No que veem? E se forem cegos(como parece que são)?
Tudo serve aos demónios para atingir os seus objectivos, para realizar os seus interesses, os quais, normalmente, coincidem com os dos humanos, em geral. As palavras são dos instrumentos mais poderosos, como acabamos de ver. Em ditadura e em democracia, os demónios nem precisam de ser letrados, basta que usem as palavras com o sentido que mais lhes interessa e lhes convém. As palavras são mais submissas do que os cães, mas não tão fiéis, nem aliadas.
Talvez por isso os deuses sempre, e em tudo, se abstiveram de falar, para não serem traídos.
domingo, 3 de setembro de 2023
Aproximações à verdade XXI
Hilário: de que é que te estás a lamentar?
Amiga: de quase tudo o que acontece aos outros
Hilário: enquanto o nosso sofrimento for apenas por ver desgraças que acontecem aos outros...
Amiga: há muito sofrimento que é de revolta e de pena, de tristeza por ver os humanos a fazerem tanto mal, a ocuparem-se tão denodadamente com maldades que fazem uns aos outros
Hilário: esse sentimento impede-te de seres feliz?
Amiga: sim, mas não me impede de lamentar por ter passado ao lado da sorte e não a ter agarrado, ter estado em contacto com a sabedoria e não a ter reconhecido, ter percorrido o mundo e não ter visto senão uma parte pouco significativa, ter passado a maior parte da vida a distrair-me das coisas, a ignorar em vez de indagar e observar e explorar, a esquecer, em vez de lembrar e ter presente
Hilário: não se pode ter tudo, para termos ou fazermos umas coisas não podemos ter ou fazer outras
Amiga: concordo. Ainda agora, aquele barulho dos foguetes, impediu-me de pensar.
Hilário: as pessoas que trabalham em ambientes ruidosos dificilmente conseguem pensar
Amiga: e quem vive em ambientes agressivos e conflituosos, além de não conseguir pensar, desenvolve atitudes impacientes, agressivas e intolerantes
Hilário: o pensamento é um processo não linear e descontínuo
Amiga: e quanto mais sujeito a perturbações e interrupções, pior
Hilário: frequentemente, as conversas, em vez de proporcionarem pensamentos consequentes e aprofundados, impedem que isso aconteça, desviando constantemente o sentido do pensamento, com sucessivas e inopinadas mudanças de assunto.
Amiga: É lamentável que assim seja.
Carlos Ricardo Soares
sábado, 2 de setembro de 2023
Verdade a quanto obrigas
Há palavras
nada mais
neste papel
o resto será
o que for lido
legível
ou não
inteligível
ou só imaginação
nas palavras
há quem destile fel
que são palavrões
no papel
de vilões
que fazem explodir
corações
ou simplesmente
não fazem nada
sem segundas intenções
abelhas pequenas
anjos de papel
palavras apenas
verdade a quanto obrigas
poemas
mel.
quarta-feira, 30 de agosto de 2023
APROXIMAÇÕES À VERDADE XX
segunda-feira, 28 de agosto de 2023
Aproximações à verdade XIX
Hilário: se tu consentires que te beije, não te podes queixar de que te beijei
Amiga: a questão do consentimento é dos problemas mais complexos que são tratados do modo mais simplista
Hilário: se alguém consente, dá o seu acordo, aceita a proposta, confirma o negócio
Amiga: tu nunca me desiludiste, é isso tudo que complica tudo
Hilário: para melhor percebermos, tomemos o exemplo concreto do patrão que obtém o consentimento da empregada para a beijar
Amiga: o consentimento aí é irrelevante, está viciado, não é livre, ou, pelo menos, a presunção de que não é livre deve ser ilidida pelo patrão, em caso de contencioso
Hilário: mas afinal como entendes o consentimento?
Amiga: depende muito daquilo que estiver em causa
Hilário: já entendi que o consentimento deve ser dado livremente e esclarecidamente
Amiga: não se pode presumir que haja consentimento por parte de quem está numa relação de sujeição, ou de subordinação, ainda que seja subordinação jurídica
Hilário: isso parece-me muito evidente
Amiga: mas há muitas pessoas para quem não é evidente que a declaração negocial para ser vinculativa deve ser livre e esclarecida
Hilário: e isso raramente, ou nunca acontece?
Amiga: os tribunais estão cada vez mais sensibilizados para estes problemas de capacidade e de liberdade contratual, mas é uma área do direito em que ainda vai haver muitos progressos.
Hilário: voltando à questão inicial: se me consentires que te beije...
Amiga: considerando a amizade que existe entre nós, sinceramente, penso que o meu consentimento estaria viciado e não seria válido.
Carlos Ricardo Soares
quarta-feira, 16 de agosto de 2023
Visitas ao interior
As construções dominam o horizonte
e as emoções dominam o pensamento
as pontes e os castelos e as fortalezas
são outras formas de igrejas
que só podemos visitar a partir
de dentro de nós
templos a uma espécie de silêncio
de formigas sem voz
de tão absoluto efeito
que nada impede
a sua extinção
de nunca ter existido
nenhum palácio dentro do qual
as casas os muros e os caminhos
fossem orientações solares
como as plantas os dias
as águas e os luares
faróis.
sábado, 12 de agosto de 2023
Matérias não despiciendas
Agradeço os comentários amistosos e não vou entrar em considerações sobre o que devem ser os comentários, as críticas, as análises de qualquer pendor, artístico, ideológico, ou outro.
Não é que sejam matérias despiciendas, bem pelo contrário, mas, nestes contextos não regulados e não censurados, que já frequento há uns anos com muita curiosidade, sem devoção e sem alaridos, prefiro não (perder tempo a) doutrinar ninguém, nem a contradizer os fanáticos das religiões, nem a discutir com pessoas que falam ex cathedra, e só respondo a anónimos, se e quando isso me interessa, ainda que seja por um motivo perverso.
Aliás, nem quero saber se o que escrevem corresponde ou não ao que pensam.
Reservo para mim o direito de decidir o que fazer, quer no momento em que escrevo, quer no momento em que deixo de escrever.
O meu problema, que é, de resto, o único verdadeiro problema de qualquer ser humano, mais ou menos consciente disso, não é, ou não está, na minha reserva absoluta de escolher o que fazer, com o qual vou convivendo e trabalhando e lutando como dita a natureza, dentro das possibilidades e das responsabilidades, mas é o problema das escolhas dos outros.
Quanto àquilo que posso escolher, mais ou menos bem, escolho e exerço o meu poder e direito, tenho muita margem para me queixar justamente e posso lutar contra os obstáculos, sem causar dano, nem ofender ninguém. Essa é uma luta que devemos encorajar todo o ser vivo a travar, e não apenas os humanos.
Quanto àquilo que não é escolha minha, mas são escolhas dos outros, aí está o verdadeiro e inultrapassável, (que pode ser angustiante e absoluto) problema.
Nem mesmo a mais rígida autodisciplina de desprezo e de ignorância, para não dizer de ódio, das escolhas dos outros, me coloca a salvo dessa sujeição que, para algumas pessoas, em determinadas condições, pode ser insuportável.
O problema não são as escolhas individuais, pessoais, não são as minhas escolhas, ao contrário do que diria, por ex., Sartre, embora Sartre jogasse por vezes nos dois campos, o individual e o social, estou a lembrar-me de “o inferno são os outros”.
O problema, dizia eu, são as escolhas dos outros, sobretudo quando essas escolhas me envolvem, ou não, como eu gostaria. Ou seja, as escolhas dos outros determinam as condições em que posso fazer as minhas.
Eu sei que tudo se decide entre o “posso fazer alguma coisa contra isso” e o “não posso fazer nada contra isso” mas, ainda assim, na dúvida ou na certeza, o que persiste é a impotência e essa nós nunca vamos admitir.
Quanto aos comentários serenos, bem educados, inteligentes e oportunos, sem preconceitos de qualquer ideologia, confesso que, em última análise, não existem, nem são desejáveis.
A vida ensinou-me que, quanto mais educado sou, mais perigoso fico.
A serenidade e a boa educação e a oportunidade e a inteligência são preços elevadíssimos que é legítimo cobrar, tanto mais quanto mais tenham sido, ou sejam, para nós difíceis de pagar.
Carlos Ricardo Soares