quarta-feira, 5 de outubro de 2022
domingo, 2 de outubro de 2022
Metáforas
Os que fecharam as portas
Deixaram o silêncio de fora
A vadiar penitente
Até encontrar a chave das fechaduras
E tomar conta de tudo
Antes que as portas se abrissem com o vento
O silêncio saiu
De fora para dentro
A vadiar como um rio novo
A que não se chamaria rio ainda
E talvez não venha a ser
Senão metáfora de deus.
sexta-feira, 30 de setembro de 2022
A importância dos livros
Há que enfatizar, por um lado, a inegável influência e
importância do livro na consolidação e desenvolvimento das culturas, nomeadamente a ocidental e, por outro lado, a hipótese de que o livro não tem tido a atenção e o fervor de
tantos adeptos quanto merecia.
O fenómeno da escrita, mormente da divulgação do conhecimento através do livro, tem sido visto por muitos estudiosos como um factor decisivo do desenvolvimento
da civilização e do conhecimento, ainda que o livro, como tudo o que é instrumental, sirva para quase tudo aquilo que pode ser instrumentalizado por ele e nem tudo é consensual ou pacífico.
Aqui,
não obstante, encontramos mais um motivo, ou razão, para preservarmos o livro como meio privilegiado de cultura e de diversidade, mas mais ainda de liberdade e de comunicação.
O papel activo
que o livro exige ao leitor, só por si, é um indicador de que quem o lê não o faria se não lhe encontrasse bastante interesse (independentemente de alguém considerar que esse interesse
é grande ou pequeno ou nulo).
Durante muito tempo, o fascínio pelo fenómeno da escrita foi de tal ordem que tudo passou a girar em torno dela até atingir uma estereotipação e
uma estilização que a transformou em algo valorizado por si próprio, pela sua dificuldade e poder simbólico de uma elite de especialistas, mais como uma arte e um domínio dos deuses, para
espectáculo atordoador dos leigos analfabetos.
O caso não era para menos.
O poder das palavras institucionalizadoras, imperativas, prescritivas, declarativas, que deferem ou indeferem, que ordenam e
impõem, que decidem o que as coisas são, sempre teve e continua a ter uma imensidão de devotos rendidos à sua magia transformadora das realidades que mais interessam a todos.
Curioso é
que este poder das palavras tenha sido tanto maior, e assim continua a ser, quanto mais hermético, e acessível apenas a uma elite, for o seu código. De tal modo que, por exemplo o latim, não sem
muita relutância, só recentemente vem sendo substituído, em actos oficiais e religiosos, pela língua viva.
A vulgarização do livro esteve associada à disseminação
do acesso ao poder que o livro conferia e, de vários modos, a elite “do poder do livro” reagiu contra isso. Mas, como seria de esperar, à medida que o poder do livro se disseminou também passou
a ser menor a atractividade motivada por algo que estava associado ao simbolismo do livro e não ao valor intrínseco do seu registo.
A desmistificação do saber livresco, por exemplo, é
muito recente e foi uma enorme conquista da cultura, mas só foi possível, suponho eu, pela divulgação e acesso generalizado ao livro como meio privilegiado, senão único, de acesso
a cultura e a conhecimentos relevantes, para além do senso comum.
Acontece, ainda assim, que o livro é visto, umas vezes, como meio de realização de objectivos expressivos e discursivos e narrativos
e comunicativos, inclusivé científicos, líricos, críticos, filosóficos, jurídicos, técnicos, etc., outras vezes, como fim em si mesmo, ou simplesmente como uma mercadoria, à
boleia da inquestionável reputação do livro, na sua função de “transcendência” a que temos acesso se os lermos, mais do que se alguém os ler para nós, ou por
nós.
sábado, 24 de setembro de 2022
O que é sentir
Sonhar
E só depois dizer
O que acontece
Dizer
E só depois ver
O que é difícil
Fazer
E só depois saber
As palavras que mais usas
Poder
E só depois deixar
De querer
Escrever
E só depois sentir
Que o prazer também se escreve
Com prazer
E só depois interrogar
O que é sentir
sexta-feira, 16 de setembro de 2022
INCOMPLETUDES
Se o amor
Enquanto esperavam à chuva
Fosse ministro de algum abrigo
Ou abrigo de algum ministro
A haver governo algures
Em tempo sinistro de encargos
Andaria atrás de um caderno
Perdido
De versos copiosamente amargos
Em seu labirinto construído
De perversos aliados
Tremendo dos artelhos
De medo talvez de frio
Da sua sombra nua
Procurasse o sol
De algum pavio
Quiçá da lua
Em troca de existir
Para se aquecer
Sem cair na rua.
sábado, 10 de setembro de 2022
Quase só fragilidades
Em algum recanto obscuro
Lá muito atrás no tempo
Perdemos a memória
O nosso amor e a nossa paz
Perturbados pela surpresa
De um mundo inesperado de hostilidades
Engendrado pela nossa frustração
E pelo alerta
Pela desconfiança das plantas
E animais
E restantes elementos naturais
Que no nosso âmago
Amamos
E pela decepção de sermos repelidos
E mordidos
Envenenados acossados infectados
Feridos
Esmagados afogados queimados
Em cenários de acidente
Tempestade ou guerra
Ou simplesmente
Na tragédia silenciosa
Na doença
E pela descoberta de que éramos
Quase só fragilidades
E a necessidade de nos rodearmos
Da atenção e do carinho
Uns dos outros
Para nossa protecção
E para sermos mais fortes
No desgosto de não podermos abraçar
Sem medo e precaução
Todos os seres
Vivos e os demais
Que amamos à nossa maneira
Talvez errada
Por não ser mais.
terça-feira, 30 de agosto de 2022
sexta-feira, 26 de agosto de 2022
Ensinar e educar
Educar, todos e tudo educa.
Cuidado com a educação. Quem não se queixa da educação que recebeu (o termo é muito significativo
e carregado de tradição) ainda deve estar mais de sobreaviso.
Ensinar é mais complexo, mais solidário, mais honesto, mais explícito, mais confiável, mais amigável, mais
avisado, mais avançado, mais revolucionário.
Putin educa, Hitler educou, Estaline dava isso como garantido e os religiosos sempre puseram todas as fichas na mesa das apostas da educação para
concretizarem os desígnios divinos.
Ensinar é outro negócio, é outra história, é outra narrativa. Se não é oposta a educar, pelo menos é crítica, contestatária,
muitas vezes feita à revelia da educação oficial.
Educar é perigoso, ensinar é promissor. Transmitir valores, crenças, normas de conduta é algo que se tem revelado catastrófico,
trágico, incurável, abominável, fatal. É certo que há sempre o outro lado da medalha. É o apelo aos valores que mobiliza para a guerra e para a vitória. Uma bomba lançada
sobre o inimigo é um acto sublime. Uma bomba lançada pelo inimigo é um acto cobarde e imperdoável.
Não devemos combater uma crença com outra crença? Ou seja, não
devemos combater? E temos outro remédio?
Há os que educam, por exemplo, para agradar e obter as bençãos do Sr. Abade, ou do Regedor, ou do professor, e há os que educam para se perfilarem
nas hostes políticas e dominarem o jogo dos interesses, avessos a obediências ditadas por opositores, ainda que posicionados em cargos de supremacia de facto, seja fiscal, seja política, seja administrativa.
E há os párias, que rejeitam todas as propostas e são educados para não precisarem dessas estruturas viciadas de favorecimento e de nunca vergarem, nem fingirem respeitos que não devem a
ninguém, que são educados a esperar todo o tipo de maus tratos e de desprezo e de discriminação, que só podem contar com a sua força e não deixam que lhes indiquem o personagem
sagrado que vão vestir nas procissões dos corpos dos deuses. E isto vem de longe, de muito longe. E, para tristeza e preocupação de muita gente, está a agravar-se. O nepotismo anda à
solta, a par com a corrupção e a batota na disputa de méritos e de reconhecimentos. Então o partidarismo e o favorecimento no acesso a funções públicas, vão-se instituindo
cada vez mais como procedimentos “normais”, como se o público e o Estado fossem a oportunidade dada a alguns privados que pensam e actuam como se estivessem nas suas quintas, enquanto estiverem.
Entre
os que educam para o jogo, com os trunfos na mão e os que educam para o jogo da batota, a diferença é óbvia.
O ensino é outra coisa.