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sexta-feira, 22 de julho de 2022

É certo

Não vou falar do certo e do errado

Porque soubesse verdades

Que não sabeis

Mas porque falo dos meus erros

Não porque afinal tenha acertado

Em os reconhecer

(E é certo)

Mas porque tenha reconhecido

Estar errado

Não vou falar das falsas crenças

Do passado

Que me ajudaram a crer noutras

Em que não fui educado

Mas na surpresa de descobrir

Que o mais certo

É eu estar errado.

quinta-feira, 21 de julho de 2022

Ousar amar

Ouso dizer que o amor ainda precisa de ser autopsiado, ou levado ao laboratório dos alquimistas, para nos convencermos de que o amor é puro egoísmo. No laboratório dos químicos chamar-lhe-iam outra coisa que não sei, talvez tropismo.
Provavelmente ninguém é amado, ou amou, no sentido de amor que não é retribuído. O condicional não faz parte do conceito mas, nem por isso, deixa de ser a realidade do amor.
E não esqueçamos que o artifício de pensar em termos físicos, ou literários, teológicos, ou filosóficos, não reduz o problema, antes o amplia.

quinta-feira, 14 de julho de 2022

Mas as palavras do poder, senhores?!

O poder das palavras vai sempre mais longe do que as palavras do poder, por mais que isto seja contraditório, ou circular. Mas é preciso que alguém as ouça, as entenda, as siga, ou as rejeite. Nenhum poder existe, ou leva a melhor, sobre o que resiste. Neste aspecto do problema, admiro o burro, tão mal tratado, mas sobrevivente.
O poder das palavras é inescapável e incontornável e inarredável. Nem é viável abstrair das palavras. O que é viver sem palavras?

O poder das palavras, reside no indivíduo que as usa, como autor ou destinatário se e apenas na medida em que as usa e com elas se conforma.

Para quem teme o seu poder, o melhor não será fugir-lhes.

Para quem quer o seu poder, o melhor não será usá-las indiscriminadamente.

Mas as palavras do poder, senhores?!

As palavras que fazem da força poder, que dão poder à força?
Sem embargo de a força ditar palavras que as tornam poderosas, o poder das palavras está para as palavras do poder como o espírito está para a matéria (metaforicamente, porque não alinho nesse dualismo).

E que diríamos sobre o valor das palavras?

terça-feira, 5 de julho de 2022

Forma e conteúdo

A relação das partes com o todo (que é sempre, por sua vez, uma parte de uma parte maior) é uma relação de umas formas com outras, cada uma contendo outras, mas sendo contida por outras.

Porém, há a questão do vácuo, que me interpela de vários modos. Não sei o que é o vácuo e acredito que ninguém, nem coisa alguma já esteve no vácuo. Não sei se o vácuo acontece ou aconteceu alguma vez, por exemplo, se algo que existe, submetido à vacuização, deixou de existir, por força da vacuização. Será esta força mais uma a acrescentar às reconhecidas forças da natureza?

No vácuo, a força da gravidade “deixou de funcionar” (não me digam “deixa de funcionar”)? O espaço e o tempo foram suprimidos? O nada foi criado? Deixou de haver movimento?

Os físicos não terão dificuldade em esclarecer uma dúvida tão básica, se calhar não mais do que uma questão de linguagem, mas poderá alguém aspirar sequer a entrar /estar num lugar vazio?

terça-feira, 28 de junho de 2022

Tudo para ser feliz

Quando escrevo só 

Posso contar com o leitor

Para transpor

O limiar da minha porta

O poeta não se mete pelos olhos dentro

Como uma irresistível vénus desencadeia

Tempestades de prazer

Até a quem as não quiser

A poesia pode ser desbragada

Mas é a sedução de não ser nada

De não ter úberes

Nem ritmos de pimbalhada

Que entram pelos olhos dentro

Sem pedir licença

E sem dar licença para contento

Sentam o rabo na cara

A poesia é como a dança

Exibicionismo requintado de mais

Para os pés de chumbo

Que a desdenham e deploram

Como a trança de um cabo de cebolas

É cantar a uma janela

Sem ninguém lá dentro

Porque não está lá ninguém

Não é trabalho

É a infelicidade

De quem tem tudo para ser feliz

Uma arte

Ter tudo para ser arte

Mas não ser bela

Uma questão de gosto

Ter tudo para ser

Mas não acontecer.

sábado, 25 de junho de 2022

Fender

 

Ouve cantar aves que espreitam

Da fenda da floresta

O atrevido afagamento do sol

Quantos silêncios inofensivos

Estão atravessados num sorriso

Quantos enigmas são precisos

Para resgatar do esquecimento

As âncoras ofuscadas

Pela refracção dos prismas

Que à toa fendemos

Ao rasgar páginas pela fenda

Da leitura da escrita

Espigas do mundo

Seios dourados

Às transparentes mãos

Porém imperfeitas

Do dia que se faz

Adivinhar pelas fendas

Dos abismos

Que tem o luar.

sábado, 18 de junho de 2022

Poesia dos aranhões

Às vezes o tempo mal dá
Para perceberes que andas à procura
Empenhado em desbravar enigmas simples
E em deixar os mais complexos
Para quem os achar
Não por tua vontade
Mas por ser assim
Que Deus vence e vencerá
Pois foi inventado para isso
E continua a ser remodelado
Como todos os modelos
Que são inimigos
Da diferença
E da autenticidade
E talvez existam
Para exasperar a diferença
Não precisas de entrar numa catedral
Para perceberes
Na vida tudo é feito à semelhança
Da diferença
Mas é bom que entendas
Até que ponto estás impedido
De rejeitar essa poesia dos aranhões
E de sobreviver
A toda ela.


segunda-feira, 13 de junho de 2022

A felicidade

A felicidade. O que se entende por felicidade? Bem-estar, satisfação?
O conceito de felicidade tende a ser referido a situações objectivas que, raramente, ou nunca, serão atingidas e, se o forem logo confirmam que a felicidade não é intrínseca a situações particulares da fortuna e do mundo, como se não houvesse situações susceptíveis de dar felicidade, porque esta não existe fora do indivíduo. O que me torna feliz, provavelmente, não tornaria felizes os outros e, hipoteticamente, até poderia torná-los infelizes. Por outro lado, a minha felicidade não está livre de, mais tarde, ser fonte de infelicidade. 

O conceito de felicidade, todavia, e por ser assim tão subjectivamente condicionado e determinado, é de inestimável utilidade para tentarmos compreender a natureza humana e encontrar em tudo o que é acto humano esse sentido da felicidade. 

A tese que defendo é que tudo o que é acto humano é racional e implica uma escolha que é a melhor (todo o acto é individual). Do que sei sobre o ser biológico do homem, nomeadamente dos processos homeostáticos, não só a racionalidade é um determinismo, como a escolha é inelutável, um imperativo, diria, natural. A felicidade é o critério. Não há outro. É um fim em si mesma. Não é instrumental. Instrumental é tudo o que for susceptível de realizar a melhor escolha. 

A cultura humana é determinada, em todos os seus aspectos, por um princípio que eu designo, num trabalho que tenho elaborado sobre Ser Humano, por princípio da felicidade, como princípio normativo de todos os outros princípios.
A minha argumentação vai no sentido de que a cultura é a manifestação de um dever-ser que é um ter-de-ser (da natureza). A inversa não é verdadeira, quero dizer, o ter-de-ser da natureza não é manifestação de um dever-ser, excepto no caso da cultura.
Qualquer texto serve para tentarmos sustentar a tese que defendo. Qualquer situação humana também. 

A esperança está no reconhecimento social e institucional dos mecanismos biológicos egoísticos (da felicidade) e na gestão e disponibilização de quadros de possibilidades de escolha que não impliquem que a melhor escolha não seja boa.