quinta-feira, 2 de junho de 2022
sábado, 21 de maio de 2022
Estradas de metafísica
Ao fim de umas horas a pedalar
Por estradas de metafísica
Com matilhas de cães às costas
Olhei para trás e já não conseguia lembrar
Nenhum dos problemas de dogmática ético-jurídica
Com que muitos reis não se depararam
Por possuírem grandes castelos
Como se acabasse de me reencontrar
A caminho do sol e da liberdade
E em vez de pensar no xadrez dos anjos
Que me não dava fome
Nem de comer
Nem sombra
Onde viver liricamente
Como sempre sonhei
Uma primitiva sensação
De estomacal entendimento do mundo
De todos os pensamentos confluírem
Numa harmonia marítima libidinosa
Abocanhando pedaços de lagosta frita
Adornados de algas profanas
À vista de especiosos vinhos
Em horizonte de searas saudosas
Açorda alentejana
Fumegando desejos de planície
Inimagináveis
Em alto mar
Como tudo o que o vento levou.
sábado, 14 de maio de 2022
Salvar o mundo
Pensavam que era lixo
E varreram tudo
Mas eram letras dispostas de uma certa forma
Que poderia salvar o mundo
Porque a forma pode ser importante
domingo, 8 de maio de 2022
Neutrões
Os neutrões não escapam
À carga eléctrica
E acabam fardados
A mirarem-se ao espelho
Dos protões
Tão sossegados finalmente
Por se sentirem realizados
Por satisfazerem os requisitos
Por não pertencerem a si próprios
Senão nessa alienação
De serem convertidos.
quinta-feira, 28 de abril de 2022
A memória que amamos
Como dizer o que não sabemos
Pensar o que ignoramos
Contar o que não passamos
Sem ser em romance
Do que guardamos
Que sendo saga nossa
Ou não sendo a nossa
Gostávamos que fosse
Porque nenhuma paisagem substitui
A memória que amamos
Dos sonhos
Do que acreditávamos ser
Maior que o mar
E mais belo do que se pode contar
Nos roteiros da história dos outros
Na saudade de algum momento
Do que é possível desejar
Nos mapas
Outrora para nós legíveis
E agora cada vez mais desbotados
Embora muito mais inteligíveis.
terça-feira, 26 de abril de 2022
A vida é isso
Um problema subsiste na nossa cultura que, mais ou menos tacitamente, opõe artes e humanidades a ciências, não tanto porque umas contestem as outras, mas sobretudo porque umas veem as outras numa perspectiva não suficientemente compreensiva, ou mesmo redutora, para já não falar dos pruridos de estatuto ou dos preconceitos de ambos os lados, como se o que estivesse em causa fosse um critério de validade/verdade, independentemente de qualquer perspectiva ou critério de valor.
As coisas apresentam-se, normalmente, ou tradicionalmente, como se houvesse áreas culturais, discursivas, retóricas, expressivas, representativas, performativas, estéticas, lúdicas, artísticas, linguísticas, literárias, poéticas, imagéticas, icónicas, musicais, histriónicas, audio-visuais..., éticas, morais, religiosas, jurídicas, económicas..., claramente delimitadas das áreas do pão-pão, queijo-queijo, da análise quantitativa da realidade física e química medida e mensurável e que é praticamente toda a realidade, incluindo a referida anteriormente. A aplicação do método científico, aliás, não está limitada às realidades físicas stricto sensu e as ciências sociais e humanas são exemplo disso. Ou seja, tudo o que é cultura (arte, expressão, conduta, comportamento, acção, movimento, som, conhecimento, significado, comunicação, norma, crença...) está sob a alçada da ciência, do método científico, incluindo Deus.
Mas não pode ser reduzida a isso e quem tentar fazê-lo incorre em erro crasso, até aos olhos do mais ignaro.
Em certo sentido, a ciência também não escapa à alçada de Deus e, em geral, de todas as manifestações de cultura. O problema não é simplesmente um problema de rivalidade entre a ciência e as artes, religiões, políticas, ideologias, sistemas de adaptação e de integração da realidade social e do próprio modo de hierarquização social dos valores morais e patrimoniais.
O problema é fundamentalmente de ordem existencial, ou, se quisermos, de ordem moral, do indivíduo como última e irredutível instância do valor, dos valores, mesmo quando adopta e segue e se identifica e se conforma e respeita e cultua esses valores.
Assim, o problema não está na ciência ser ciência, ou na arte ser arte, mas no cientista e no artista serem indivíduos, humanos, personalizados, únicos, com uma história e uma representação individual das experiências e um sentimento e mundivisão próprias. Nestas, a própria ciência e artes mais não são do que experiências, entre outras.
O problema existencial é o problema do que fazer com aquilo que sabemos, ou julgamos saber. E este problema, se não é insolúvel, é, pelo menos, o verdadeiro e único problema da vida de cada um, ou seja, a vida é isso.
sábado, 23 de abril de 2022
Lua sobre os destroços eternos
Aquilo a que chamamos realidade
A lua sobre os destroços eternos
Que fumegam
Arrancados das unhas sujas
De ferrugem e pólvora
Das explosões
Que incendeiam a noite
Dos imortais
É veneno que se infiltra
No coração dos inocentes
E obnubila para sempre
Como uma maldição inconcebível
A que não escapará
Nenhum dos seus pensamentos
Por mais lembranças que tenhamos
Dos bons tempos
Em que não conhecíamos os inimigos.
domingo, 17 de abril de 2022
Mediatismo e valor
É desmoralizador constatar que a popularidade e a influência e o papel de referencial de valores de inúmeros vultos, que aparecem nos meios de comunicação social, desde pimbas a políticos, passando por ícones das indústrias de lavagem de dinheiro e de fugas aos impostos, até chefes de Estado que apostam tudo na morte e na destruição do alheio, não se deve ao mérito nem à bondade do que dizem, ou do que fazem, nem do que representam, mas, pelo contrário, o que dizem, o que fazem e o que representam torna-se socialmente relevante, e é seguido por adeptos e imitadores, por serem dessas figuras mediáticas e provir delas.
O mediatismo e a visibilidade da popularidade impõe-se como critério de valor e de mérito e não o contrário, como seria de esperar.
E isto é muito preocupante.
Tem muito a ver com a propalada inversão ou crise de valores.
Não é por seguirem valores associados à prática das virtudes de pensar e de ajuizar e de agir, segundo critérios de sabedoria e de prudência e de sã e informada convivencialidade social e cultural, porque isso está fora dos rituais primitivos dos seus correligionários.
Mas o mediatismo confere à ignorância e à grosseria um estatuto social que é seguido por multidões de fanáticos e torna-se exemplo, valor sufragado por muita gente que, à falta de outros critérios ou referenciais críticos, legitima exercer e manifestar o poder de facto que o ruído, as claques e a estupidez dos rebanhos revelam. Como se ser mediático, ou ser bem pago, fosse alguma garantia de idoneidade e do que deve ser imitado e valorizado.