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terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

A sabedoria não cai do céu


A sabedoria não cai do céu.  

A crença religiosa segundo a qual, no princípio, o homem não precisava de sabedoria, mas que passou a precisar a partir do momento em que cometeu o erro/pecado de querer saber, tem muito significado. E, se corresponde a alguma realidade, não corresponde à narração, por exemplo, do Genesis, na Bíblia. A lógica de que só a partir da interrogação se pode precisar de saber responder e que, do reconhecimento do erro da resposta, se pode precisar de responder de novo, talvez melhor, ainda que não garantido, pode dar lugar a inúmeras narrativas diferentes, com ou sem deuses, mais ou menos fantasiosas, mais ou menos fascinantes e encantadoras. Não deixam, porém, de ser ficções construídas para tentar dar verosimilhança a uma ideia acerca de factos desconhecidos, por mais que se pretenda que sejam aceites como verdadeiros. 

A crença religiosa, não se limitando ao facto de o homem ter de resolver os seus problemas, atribui significações religiosas e implicações morais à sua situação e à sua condição de dependência e de risco, onerando-o com toda a responsabilidade pelos males a que está sujeito e cobrando dele todo e qualquer benefício de estar vivo, por ser inteiramente devido à contemplação e misericórdia de Deus.  

Se algo corre mal, é falta de sabedoria, culpa sua. Se algo corre bem, é como soía, e os méritos são de Deus. Para evitar os males e ter esperança, mas nunca a certeza de que algo corra menos mal, ou corra bem, deverá o homem empenhar-se de alma e coração e inteligência, com a única certeza de que as vantagens não são conquistadas, mas sim providenciadas. 

Então, a sabedoria só podia significar viver na confiança e na fé da providência em observância dos mandamentos da religião. E esta sabedoria tornava-se tanto mais concreta (e verdadeira, no sentido de experimentada), quanto mais era institucional, imperativa e sancionada. 


domingo, 31 de janeiro de 2021

Quem quer ser sábio? VI


A resposta à questão da Sabedoria não é geral e abstracta, nem consensual, nem apenas concreta e é sempre a resposta possível. A resposta possível, não sendo a ideal, é boa, contanto que, como diz o ditado, o óptimo seja inimigo do bom. 

As culturas vão corporizando e instituindo como valores aquilo que a experiência e o saber permitiram concluir que são boas soluções. Daí o dizer-se, correntemente, que as culturas são expressão de sabedoria.  

Quer do ponto de vista individual, quer do ponto de vista das organizações e das instituições sociais, são constantes a indagação e a discussão e as decisões sobre o que, num determinado momento, para um determinado problema, é a melhor resposta. Por exemplo, a melhor resposta da religião pode não ser aceite pela filosofia e vice-versa, ou pelo positivismo, ou pela ciência. E a melhor resposta para mim, pode não coincidir com a da ordem instituída.  

A Sabedoria está sempre a ser construída e reconstruída, num processo inevitável de renovação vital. Neste ponto, o que tem de ser tem muita força e não há como fugir ou impedir que se cumpra a Sabedoria. Ela é a condição humana.  

Nem a Sabedoria nos abandona, porque não existe. Nem nós a abandonamos, porque não a temos.  

Mas, então, o que é que nos faz ter noção de Sabedoria se não a temos e se ela não existe, pelo menos nos moldes do que habitualmente designamos como existente? 

E por que ousamos dizer que o conhecimento mais difícil de alcançar, mas essencial para a nossa relação com os outros, com o mundo, é o conhecimento de si mesmo? 

Que noção temos de “conhece-te a ti mesmo” e que grau de conhecimento de si mesmo alguém, reconhecidamente, revelou, que nos autorize a preconizar o conhecimento de si mesmo? De qualquer modo, isso não é mais do que um conselho, ou preceito, que nada nos diz sobre como realizar essa tarefa, alegadamente, "tão superior". 

Um dos pontos fracos de todo o sistema normativo é prescrever a conduta (por acção ou omissão) e nada dizer sobre como fazer, quais os procedimentos que permitem cumprir. 

Outro ponto fraco é dar de barato o problema de que, para além de saber como, ainda falta fazer, ou seja, é necessário que uma pessoa admita e reconheça a importância e a possibilidade de se conhecer a si mesma, tenha a noção do que é preciso fazer e a possibilidade concreta de o conseguir e, finalmente, que o faça. 

Ora, a única coisa, que lemos e ouvimos sempre, é “conhece-te a ti mesmo”. Os outros pontos que assinalei parece que ficaram suspensos há séculos, como se não tivessem tanta ou mais importância.  

O triunfo da ciência não tem sido conseguido na investigação dos problemas e na confirmação, concretização das hipóteses? 

Quando se trata, por ex., do que se deve ensinar hoje nas escolas, é frequente dizer-se que, em vez de memorização de informação, se invista no pensamento crítico, que se ensinem as crianças e os jovens a pensarem pela sua cabeça, que a aprendizagem deve prepará-los para a mudança constante e para o stress que isso causa, etc..  

Mas isto toda a gente sabe. 

O que talvez ninguém saiba, e era preciso que dissessem, é como é que as crianças, os jovens e os adultos reconhecem a importância disso, como é que, alunos e professores, poderão operacionalizar isso e, finalmente, fazer, realizar isso.  

De certa forma, se Sabedoria significa conhecer a realidade, conhecer-se a si mesmo, identificar o erro e não agir contra a realidade, nem contra si mesmo, corrigir o erro, ou seja, adaptar-se à mudança, é importante que se torne isso. 

Ainda que, aqui, tenhamos mais questões: como vamos preparar-nos para uma mudança que não sabemos qual vai ser? E a adaptação à mudança o que é que significa? Se não me adaptar à mudança, isso não significa que me adaptei ao meu modo? Ou significa que não mudo, ou que mudo num sentido que, supostamente, não me é vantajoso? E os que se adaptarem à mudança, mudam por quererem, por lhes ser supostamente vantajoso? 

 

Teremos a Sabedoria de que formos capazes, porque não há outra.  

Carcomida a bengala de Deus e levados nas asas da inteligência artificial, sabedoria será a melhor resposta aos problemas da sobrevivência. 

sábado, 30 de janeiro de 2021

Quem quer ser sábio? V


A Sabedoria não é algo que exista e se encontre em algum lugar. Não está, nem pode estar, senão no pensamento e na acção do homem, no modo como este enfrenta e vive a vida, os problemas da vida e os pensa.  O homem, ao dar-se conta, pela experiência e reflexão, de que tem margem para escolher e de que a sua acção ou inacção têm efeitos e consequências, exercita a sua aptidão para a sabedoria e o desejo de conceber e operacionalizar o melhor dos modos de enfrentar, pensar e viver a vida, não apenas para cada situação particular e concreta mas para todas as situações da vida, em geral abstracto 

Se há modos diversos de o fazer, se há uns melhores do que outros, é irrecusável pensar qual será o melhor, como saber e como realizá-lo.  

Era tão bom que as respostas estivessem disponíveis em algum lado...  

Mas não, nós é que vamos decidir se há respostas, se umas são melhores do que outras, qual é a melhor e tentar segui-la ou aplicá-la, ou, simplesmente, não fazer nada, se for possível.  

Apesar do que algumas religiões dizem, não creio que algum deus tenha dado qualquer sinal do melhor modo de encarar a vida ou do que devia/deve ser feito. Se o fará, não sei e, se alguém souber, que faça o favor de informar. 

A tentação de encontrar um deus, ou um sábio, que resolva os problemas é tão grande que o homem não foi capaz de lhe resistir.  

Mas errou redondamente. As religiões cometeram a fraude de dar as respostas como se estas fossem a antecipação daquelas que o homem, por si só, segundo alegados ou supostos critérios de sabedoria, deveria encontrar e que, talvez, nunca alcançasse.  


sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

Quem quer ser sábio? IV

Este ideal de sábio é tão irrealista, inalcançável, fantasioso, desenraizado da própria humanidade, que se torna contraditório ou absurdo por requerer e supor a própria humanidade do sábio, justamente o que dá razão de ser ao ideal de sábio. Este, sob pena de se contradizer e negar-se a si mesmo, não pode deixar de ser um ideal humano, que os homens queiram, possam e reconheçam valor em realizar. 

As posições filosóficas idealistas, tal como as posições religiosas, quando se colocam num plano “não realista”, fora da realidade como ela éabstractas e puramente racionalistas, perdem credibilidade como concepções filosóficas, porque se posicionam fora e contra a realidade, o que é um erro.  

Ora, sendo a Sabedoria o objecto e o objectivo da filosofia, é da essência desta identificar e posicionar-se contra o erro. 

quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

Quem quer ser sábio? III


Do sábio espera-se que, tanto nas palavras sábias que diz, como na sábia conduta com que faz, ou deixa de fazer, revele ter a justa noção das coisas. 

E que ame, que esteja imerso, que inclua, que agasalhe, que estreite, que abrace, que pacifique, que construa, que cure, que salve e que não agrida, que não afaste, que não hostilize, que não adoeça, que não mate e que, se tiver de condenar, o faça pelo sentido último das virtudes de Sócrates, formulado pelo imperativo categórico, de Kant, e não por uma razão pura.  

E que não tenha outro poder, nem outra riqueza, nem outros apegos, senão os da Sabedoria, que outros maiores não existem. 

E dele não se espera e não se aceita que seja imprudente, tolo ou medroso.  

A loucura do sábio tem mais a ver com a sua ousadia, valentia, despojamento e capacidade de abnegação. 

Tanto ou mais do que ao nível discursivo, ao sábio não são toleradas paixões, senão a compreensão delas, fraquezas científicas, nem morais, nem de mundivisão e mesmo as fraquezas físicas, apenas são toleradas as que, de todo, não forem indesculpáveis.