A consciência de que temos uma consciência, aliada a uma memória e à faculdade da linguagem, tem permitido um desenvolvimento do conhecimento, das formas de comunicação e de transmissão da cultura e criado crescentes possibilidades, em geral, de expansão e aprofundamento da função da própria consciência.
Parece que o fenómeno da consciência/racionalidade está presente nos sistemas biológicos como uma função vital, nomeadamente de sobrevivência e, no homem, atingiu sofisticações de tal ordem que este se se revê como produto e como agente de uma realidade mental que é, por um lado, produto de um processo cultural muito acelerado e, por outro lado, realidade biológica que funciona, praticamente como uma constante, ou invariável ao longo do tempo.
Parece ser esta determinante biológica que marca ou dita o valor, a qualidade, os afetos, os sentimentos, as emoções, as sensações, os instintos, as dores e os prazeres, independentemente, ou não, dos significados culturais e que, muitas vezes, é negligenciada e hostilizada como se fosse um travão, ou um obstáculo, às mudanças sociais e políticas.
A vantagem de termos, ou de podermos ter, uma consciência tão alargada e tão sofisticada que nos coloca no limiar de vermos aquilo que é modificável pela intervenção humana, é também um problema acrescido quanto ao controlo dos efeitos, consequências acidentais ou indesejáveis e quanto às incertezas das escolhas. E este tem sido, ao longo da história, um processo dramático, por vezes trágico, mas sempre problemático.
A tendência crescente para que tudo se torne objeto de intervenção da consciência humana, mesmo aqueles processos humanos que têm lugar independentemente de estarmos conscientes deles, amplia o nosso controlo sobre o que acontece, mas agrava também a nossa responsabilidade.
Dito de outro modo, a natureza da consciência é da mesma natureza do universo e é um fenómeno desse universo, que ocorre nesse universo segundo determinações do mesmo, não sendo descabido pensar, a propósito, que o fenómeno da consciência, ao operar como detector, monitor e regulador das suas próprias circunstâncias e condições, pode ser visto como um processo através do qual o universo se conhece a si mesmo e se auto-regula. A máxima socrática “conhece-te a ti mesmo” ganha, assim, um sentido de auto-conhecimento do universo, mas com a grande limitação de a consciência ser um fenómeno que opera em indivíduos, separada e diferenciadamente, sem que exista uma consciência universal única.
Não obstante, o conhecimento que o indivíduo consegue de si mesmo é um auto-conhecimento cuja génese e significações radicam na cultura e são profundamente subsidiárias da linguagem e dos saberes e do conhecimento disponível.
Tudo parece reconduzir-se sempre a um problema de consciência/racionalidade de que todas as formas de consciência/racionalidade são ramificações, desde a consciência moral, à consciência científica, passando pela consciência estética até à consciência lúdica e ambiental.
A consciência/racionalidade é uma função/faculdade, mormente dos humanos, que tem permitido, por um processo cultural cumulativo e progressivo de inteligência, constatar o valor e a importância transformadora desta, ao ponto de a inteligência passar a ser, também, uma mercadoria susceptível de ser produzida a uma escala inimaginável.
Carlos Ricardo Soares