Haveria considerações e reparos a fazer, por exemplo, à redução dos valores a gostos, ou que os valores estão fora do domínio do conhecimento,
mas o que mais me suscita interesse é que a questão dos valores é a questão do Direito, da justiça e da sabedoria, ou mais simplesmente, do critério, da escolha, da ciência das
escolhas (como alguém define a economia), da responsabilidade, da liberdade...
Na realidade, desde o átomo à galáxia, tudo, incluindo o conhecimento (e o conhecimento científico), vale ou
não vale, de acordo com algum critério de valor.
A questão do valor intrínseco é resolvida pelos crentes num Deus que ditou a tábua de valores absolutos. Os não crentes, ou,
pelo menos, os que não têm outras referências religiosas, morais ou éticas, sendo eles próprios como que o centro de todas as referências valorativas, o Eu sem o qual nada vale, tenderão
a gerir os valores como uma espécie de "mercado" mais ou menos perspetivado para o curto, médio ou longo prazo mas, indissociavelmente, de uma racionalidade utilitarista tendo o "big bang"
como pano de fundo e a morte como fim.
De qualquer modo, quando falamos em valores, quando consideramos, por exemplo, que a ciência é um valor, não estamos a falar de gostos ou preferências, ou vícios,
mesmo que haja pessoas viciadas em ciência, como poderá haver pessoas viciadas em virtude.
Do que estamos a falar é de algo que, no quadro das realidades que contam "propter nos homines et propter nostram
salutem", todos têm facilidade em argumentar a favor e ninguém consegue (com sucesso) argumentar contra.
E nesta génese de Deus o homem foi significando a religião, as religiões, com os mais variados objetivos, práticos e teóricos, tornando-as em caldos de superstições e de contradições e de sistemas políticos e normativos.
Jesus Cristo parece ter tido uma visão muito clara de que as religiões, incluindo a judaica, eram uma espécie de pseudociências de Deus. Quem soubesse a cassete do "jargão" religioso, sentia-se habilitado a falar disso como um sábio.
Infelizmente, Jesus Cristo não foi devidamente compreendido. Ele era o mais revolucionário ateu numa cultura de pseudociências de Deus. Ele foi o mais lúcido, contundente e demolidor adversário e inimigo dessa cultura.
Mas os próprios cristãos, o cristianismo, os poderes políticos, a igreja católica, trataram de o interpretar e de o integrar no velho sistema de pseudociências de Deus, como se ele fosse mais um, embora diferente e melhor.
E, mais grave do que isso, endeusaram Jesus Cristo. Ao endeusá-lo estavam a endeusar a própria Igreja, o que veio a revelar-se catastrófico, e a destruir, desvirtuando-a e deturpando-a, a grande mensagem de Jesus Cristo contra as religiões enquanto pseudociências de Deus.
O que poderia ter sido um imenso movimento de iluminismo antecipado e fulgurante, verdadeiramente libertador, acabou por ser absorvido em sistemas de mais pseudociências de Deus.