Carlos Ricardo Soares
JÁ AGORA
segunda-feira, 8 de dezembro de 2025
A Arte de Ser Eu
Carlos Ricardo Soares
sexta-feira, 28 de novembro de 2025
Condenados a escolher
A liberdade não é destino, mas coincidência entre o possível e o desejado.
A liberdade não depende apenas da quantidade de opções, mas da adequação da opção disponível ao horizonte de satisfação do sujeito.
A escolha é inevitável, se for possível escolher.
Se só existe X, o sujeito continua condenado a escolher: ou escolhe X, ou escolhe não escolher X.
A questão é se isso pode ser considerado livre escolha.
Se X corresponde ao que o sujeito escolheria num campo de possibilidades, por mais amplo que fosse, então escolher X é livre escolha.
Carlos Ricardo Soares
segunda-feira, 17 de novembro de 2025
Ao serviço da Humanidade
domingo, 2 de novembro de 2025
Literacia financeira nas escolas: educação ou condicionamento?
A literacia financeira é algo que, em teoria, nunca é de mais, como qualquer literacia. Não é por aí que os zelosos promotores desta campanha deixam de ter razão. Mas é por isso mesmo que a nossa desconfiança deve ser total, quer quanto às intenções, quer quanto ao discurso, quer quanto aos meios. A primeira posição de princípio, ou cautela, relativamente a quem nos quer ajudar, entenda-se oferecer vantagens, é procurar saber que interesse têm nisso.
Quanto maior for o interesse de quem nos quer oferecer vantagens maior deve ser o nosso cuidado. A razão é simples, mas, na prática, toda a nossa educação e toda a nossa linguagem é um processo de sedução, de persuasão, de coação, de intercâmbio, de partilha, de interação, em que nada é neutro, em que o interesse está sempre presente e pode ser provocado. Não é apenas nos negócios formais e sinalagmáticos que esse comércio se exerce. Não é apenas nas promessas e nos acenos, ilusórios ou não, que o marketing, essa ciência poderosa, faz o seu caminho.
Pudéssemos nós usar o marketing em nossa defesa como ele é usado para nos atacar. Este é o cerne da questão. O marketing não é uma tentativa de educar e de ensinar seja o que for. É uma prestidigitação que visa fundamentalmente condicionar comportamentos. E isto não é inócuo. Ninguém se daria ao trabalho e à despesa de nos condicionar porque sim. As “literacias para”, todas elas, têm em comum um programa de motivações e de objetivos explícitos e expressos que se respaldam nas razões gerais e incontestáveis que referi acima.
Mas as motivações e objetivos implícitos de um programa, seja de educação, de ensino, ou de marketing, também pelo que já referi, devem ser colocadas como alvo de análise de primeira linha. O que é expresso, ou explícito, até com exuberância, deve servir-nos como sinal de alerta para o que está a ser ocultado. No fundo, o mecanismo de venda e de persuasão é tão natural e tão familiar, que não conseguimos descortinar facilmente razões para não ser assim, até porque nos fazem sentir como beneficiários, reis e senhores da nossa escolha.
Por outro lado, ainda nos podem acusar, se necessário for, de que fomos vítimas da nossa estupidez, ignorância, ganância, ou mesmo astúcia, quando não reserva mental. No fim de contas, não estamos livres do mecanismo de responsabilização injusta, onde o cidadão é culpado por não ter resistido àquilo que foi desenhado para o seduzir.
terça-feira, 28 de outubro de 2025
Uma ilusão produzida pela falta de qualquer coisa
A constatação, ou a descoberta de que, ao verbalizar os pensamentos, as ideias, as representações, fosse de que modo fosse, descrevendo, argumentando, imaginando, meditando, analisando, não estava apenas a organizar e a ordenar as coisas segundo uma ordem preexistente que eu desconhecia e que supunha ser função da escrita encontrar, surgiu muito tarde. Essa descoberta revelou duas curiosidades: o processo de conhecimento é condicionado por prejuízos de que podemos não estar conscientes e, mesmo assim, não ser afetado nos seus resultados.
Talvez não haja uma forma simples de dizer “tenho a noção daquilo que te estou a dizer, mas não sei o que estás a ouvir”, ou “sei o que estou a escrever, mas não sei o que estás a ler”.
A partir de certa altura, comecei a perceber que a linguagem, sobretudo a poesia e a ficção, tinha um poder de enfeitiçar que deslocava o interesse da linguagem como instrumento de descoberta de uma ordem preexistente e de uma inteligibilidade intrínseca, ou seja, a linguagem como estrutura depositária da verdade a descobrir, para o interesse da linguagem como forma de inventar representações e de dizer, não o que eu, de algum modo, queria dizer, mas aquilo que a linguagem podia dizer. Era a estranha sensação de estar a ser conduzido, estar a ser levado, em vez de conduzir, de submeter as palavras.
A diferença entre instrumentalizar as palavras e ser instrumentalizado por elas, não é fácil de discernir, mas sente-se, sobretudo quando elas deixam de ser nossas aliadas e se tornam nossas inimigas.
E pareceu-me irrecusável e indiscutível que nenhuma obra literária, por mais excitação e emoções que me trouxesse, merecia que lhe sacrificasse a minha saúde e a minha vida. Algo estava errado na poesia se ela era a promessa de algo que acabava por ser a sua negação e o seu contrário.
Então disse à poesia e à linguagem em geral “não te vou dar o que requeres e me exiges, tu é que vais ter de me dar o que quero de ti”.
E foi assim e tem sido assim que me recusei a ser um catavento à espera de ser soprado por uma ilusão maior do que a ilusão da realidade.
domingo, 19 de outubro de 2025
O viés de confirmação - A crítica começa onde a linguagem vacila
O viés de confirmação é um dos mecanismos cognitivos mais estudados na psicologia e nas ciências sociais. Eis alguns pontos que merecem destaque:
1- O cérebro como mestre da economia cognitiva. A ideia de que o cérebro “engana” pode ser provocadora, mas é metaforicamente eficaz. O cérebro privilegia atalhos mentais (heurísticas) para lidar com a sobrecarga de estímulos e decisões. O viés de confirmação é um desses atalhos, ele reduz o esforço cognitivo ao evitar o confronto com informações dissonantes.
2 - Como o viés opera? Procuramos, interpretamos e lembramos informações que confirmam nossas crenças prévias, ignorando ou desvalorizando as que as contradizem. Isso afeta desde preferências de consumo até convicções políticas, religiosas ou morais.
3 - Amplificação pelas redes sociais. Os algoritmos reforçam esse viés ao personalizar conteúdos com base em interações anteriores, criando bolhas epistémicas. Essas bolhas podem gerar polarização, dificultar o diálogo e cristalizar identidades em torno de certezas não examinadas.
4- O valor da dúvida. Mas há antídotos: consciência crítica, exposição deliberada à diferença, e o exercício da pergunta “E se eu estiver errado?”. É um gesto filosófico, ético e democrático que abre espaço para o pensamento dialógico, para o reconhecimento da alteridade e para a revisão de pressupostos.
A escuta ativa e o questionamento são formas de liberdade.
Assim sendo, quanto mais estivermos confirmados naquilo que pensamos, e isso é particularmente verdadeiro para o mundo académico e religioso e político-partidário, mais improvável é que exerçamos a consciência crítica. Esta inferência é sólida e profundamente inquietante.
Quanto mais investidos emocional, identitariamente ou institucionalmente, numa crença ou sistema de pensamento, mais difícil se torna questioná-lo de forma crítica. Isso não significa que seja impossível, mas que há forças cognitivas, sociais e afetivas que resistem à dúvida.
Por que é que a confirmação dificulta a crítica?
1 - Identidade e pertença. Em contextos académicos, religiosos ou político-partidários, as crenças não são apenas ideias, são marcadores de identidade. Questioná-las pode parecer uma ameaça ao sentimento de pertença ou à coerência pessoal.
2 - Capital simbólico. Professores, líderes religiosos ou políticos acumulam prestígio com base em certas convicções. Mudar de posição pode parecer perda de autoridade ou traição ao grupo.
3 - Ambientes de reforço. Instituições tendem a recompensar a conformidade e punir a dissidência, mesmo que subtilmente, através de exclusão, desvalorização ou silêncio.
O paradoxo da crítica institucional:
4 - O mundo académico, por exemplo, valoriza a crítica, mas muitas vezes reproduz dogmas teóricos ou modas intelectuais que se tornam intocáveis.
5 - O religioso, que deveria cultivar o mistério e a abertura ao transcendente, pode cristalizar-se em doutrinas que confundem fé com certeza.
6 - O político, que deveria ser espaço de negociação e pluralismo, frequentemente polariza posições e transforma adversários em inimigos.
Como cultivar consciência crítica mesmo dentro de sistemas fechados?
Praticar o deslocamento. Ler autores fora do próprio campo, ouvir vozes marginais, experimentar o desconforto da alteridade. Dramatizar o pensamento. Encenar o conflito entre vozes, deixar que o texto se torne palco de negociação ética. Interrogar a linguagem. Toda a certeza se expressa por palavras e toda a palavra carrega ambiguidade.
A crítica começa onde a linguagem vacila.
terça-feira, 14 de outubro de 2025
Aproximações à verdade XLVIII
Amiga: se fores a minha sombra, então és feito da mesma luz que me revela.
Hilário: ou talvez da escuridão que me protege do excesso de claridade.
Amiga: há sombras que abraçam melhor do que braços.
Hilário: e há silêncios que dizem mais do que todas as palavras que ousámos não dizer.
Amiga: este lugar parece suspenso entre o que fomos e o que ainda não sabemos ser.
Hilário: como se o tempo aqui não passasse, mas nos atravessasse.
Amiga: e se a águia ou o grifo nos observava, reconhecesse em nós o seu impulso de voo?
Hilário: ou a mesma hesitação antes de abrir as asas?
Amiga: a rocha pontiaguda continua a apontar para o infinito que, agora, parece menos distante.
Hilário: talvez porque o infinito não seja longe, mas dentro.
Amiga: e se for dentro, então já lá estamos, ou, pelo menos, já o tocámos.
Hilário: e talvez seja por isso que o moinho escuta. Porque há histórias que só se contam quando o vento para.
Amiga: e há encontros que só acontecem quando deixamos de procurar, como este, como nós, sem o sentido dos passos que ainda não demos.
Hilário: mas há encontros que não interessam. Que não nos encontrem antes de estarmos prontos.
Amiga: que não sejamos encontrados por aquilo de que somos fugitivos.
Hilário: fugitivos, mas que deixamos rastos.
Amiga: e há rastos que são convites, não despedidas.
Hilário: como este lugar, que parece ter estado tanto tempo à nossa espera.
Amiga: ou talvez tenha sido desenhado, concebido, por nós, sem o sabermos.
Hilário: a águia, ou o grifo, talvez tenha pousado aqui por isso.
Amiga: porque há sítios que só existem quando alguém os deseja e os contempla.
Hilário: e há contemplações que criam mundos.
Amiga: como este. Como nós.
Hilário: como se ganhássemos a forma do que criámos.
Carlos Ricardo Soaressexta-feira, 10 de outubro de 2025
Aproximações à verdade XLVII
Hilário: as águias e os grifos habitam os lugares mais altos.
Amiga: como nós, agora, aqui, a invadir o espaço deles.
Hilário: é isso, a águia estava ali pousada para tentar proteger, talvez o ninho.
Amiga: águia ou grifo, não sabemos, mas pousam sempre onde podem ter a melhor perspectiva
Hilário: grande ideia a tua, agora que já se foi para outro lugar, vamos lá ver se descobrimos a razão pela qual pousou ali, naquele ponto.
Amiga: afinal ainda temos mundo para explorar.
Hilário: guiados pelas águias.
Amiga: ou grifos, não sabemos.
Hilário: o céu está tingido de cinza e cobre. O moinho permanece imóvel, como se escutasse o que dizemos.
Amiga: à medida que avançamos em direção ao sítio do grifo, ou da águia, o moinho vai ficando mais ao fundo, envolto em sombra.
Hilário: esta luz suave, quase crepuscular, parece emanar dos teus olhos.
Amiga: eu digo que emana das tuas palavras.
Hilário: não temes ser dissolvida no eco do que pensas?
Amiga: chegamos ao sítio em que avistamos o grifo, ou a águia, pousado a observar-nos. Reparei nesta rocha pontiaguda que aponta para o infinito.
Hilário: daqui podemos ver um pouco daquilo que essa ave enigmática via.
Amiga: os nossos olhos têm um alcance muito mais reduzido e, quanto à mente dessa ave, espero que nos seja favorável dando pistas como a que nos trouxe a este ponto.
Hilário: aqui o tempo chama de volta ao que nunca deixou de ser.
Amiga: a minha avó apontava para o topo das montanhas e dizia que quem chegasse ali não poderia regressar.
Hilário: onde estavas quando a tua avó disse isso?
Amiga: estava com ela, a tentar chegar aqui, ao topo das montanhas.
Hilário: não há começo sem perda, nem fim sem memória. Agora estamos aqui, onde ela almejou chegar, mesmo sem saber o que isto seria.
Amiga: aqui a memória e a liberdade não servem para nada e nisso a minha avó estava certa. Ninguém pensa em liberdade numa ilha em que não há mais ninguém.
Hilário: gosto muito de ti, mas não é para abusares. Aqui, ninguém está sozinho. Ou por acaso serei eu a tua sombra?